
Iana Lima
Meu nome é Iana (iana, não Lana!), tenho 28 anos e atualmente resido em Vitória/ES, onde vim fazer graduação em Letras e permaneci para dar continuidade aos estudos – no momento em que escrevo, estou no último semestre do meu Doutorado em Letras. A minha descoberta da superdotação anda de mãos dadas com o meu diagnóstico tardio de autismo, aos 27 anos, o que me caracteriza com o que se chama de Dupla Excepcionalidade (2E).
Desde criança estive a frente dos meus pares em faixa etária. Aprendi a ler sozinha, fui adiantada de série na escola segundo sugestão da professora aos meus pais – segundo ela, eu ficava entediada durante as aulas e forçava a aceleração do conteúdo, que eu já dominava –, e terminei o Ensino Médio com algumas medalhas de vitória em olimpíadas escolares de redação e soletração. Esse foi um período em que eu me culpava muito, por não me sentir merecedora de tantos louros, já que não me considerava suficientemente esforçada para tais conquistas. Meu EM foi em uma escola particular com diversas unidades em várias cidades, e na ocasião em que fui comunicada de que em um mês específico eu estava dispensada de pagar a mensalidade por ter ficado em 1º lugar geral na nota de redação, desabafei com a minha psicóloga que eu me sentia roubando o lugar de alguém que merecia aquilo mais do que eu. Creio que essa sensação de não merecimento pela falta de esforço seja um sentimento comum a muitos outros superdotados – e envolve muita solidão, já que ninguém vai acreditar que você esteja realmente desconfortável em ter sido o melhor em algo, afinal esse costuma ser o objetivo de muita gente. Inclusive, falar dessa forma das minhas próprias conquistas é desconfortável, pois parece simplesmente soberba, um vício aristotélico (rs), mas estar inserida hoje em comunidades AH/SD me permite trazer experiências do tipo como um exemplo, pois sei que há quem se identifique com o meu relato, como eu me identifico com tantos outros.

Iana Lima
Eu percebo a AH/SD no meu dia a dia porque sempre quero aprender algo novo e compartilhar as descobertas que faço no caminho. Meus interesses sempre foram muito ligados à arte. Aprendi a tocar violão sozinha, sou uma autodidata em desenho, aquarela e cerâmica fria, faço crochê e bordado, escrevo poemas e sou uma voraz consumidora de literatura, cinema e música. Uma característica forte em mim quanto à aquisição de habilidades é a predileção pelo autodidatismo ao aprendizado formal com um tutor. Gosto também de tudo o que envolve aprendizado e ensino de línguas, o que faço profissionalmente, sendo professora de português, inglês e latim, e por hobby, tendo algum conhecimento de espanhol, francês, italiano e alemão. Como esses interesses acabam sendo também hiperfocos autísticos, por vezes eles parecem me devorar, e já virei noites acordada por estar engajada em alguma atividade relacionada a eles. Há momentos em que sinto quase que um desespero de querer desligar o meu cérebro e pensar em outra coisa, mas não conseguir.
A superdotação, em conjunto com o autismo, também afeta muito o meu emocional, que sempre percebi ser mais intenso e flutuante que o das pessoas mais próximas a mim – já cogitei ser borderline, tamanha a dor que o sentir me causou tantas vezes. Situações de injustiça me abalam muito e detesto hierarquias, pela subentendida tirania que permitem. No início da idade adulta, lembro de chorar no sofá de um psicólogo por me sentir impotente frente às desigualdades sociais no mundo, negligenciadas por quem teria condições de saná-las, o que não me incluía. Desde criança experimento crises existenciais que até hoje me acompanham e me trazem grande sofrimento, porque considero sufocante não saber a razão ou o propósito de existir (não tenho religião justamente porque nenhuma explicação me satisfaz), e me aterroriza que um dia minha consciência esteja permanentemente cessada – e tudo isso pareça aleatório e gratuito.
Hoje, sabendo de onde vem toda essa angústia, e ciente de que há uma explicação científica para que eu tenha tantos pensamentos e sentimentos na intensidade em que eles vêm, finalmente me aceito como sou. Me descobrir autista e superdotada foi um divisor de águas que virou a chave da minha autoestima, que por tanto tempo esteve ofuscada pela autodepreciação, e me proporcionou o autoconhecimento que uma vida inteira de psicoterapia jamais alcançaria – não sem a neurodivergência como a peça principal do quebra-cabeça. O autismo e a superdotação, portanto, passaram a integrar minha lista de interesses a ponto de eu hoje vislumbrar a possibilidade de, futuramente, estudar psicologia, para ajudar outros que vivam as mesmas aflições que conheço tão bem.
Só quem cresceu se sentindo um patinho feio, destacando-se acidentalmente e tendo grande dificuldade de encontrar outros semelhantes ao redor, entende a importância de encontrar uma comunidade de cisnes e se apropriar de um rótulo – este termo que tem um sentido pejorativo, mas que uso aqui com a melhor conotação possível – que é sinônimo de libertação e autoaceitação. Descobrir a minha dupla neurodivergência foi a melhor notícia que já recebi na vida, e hoje encaro como uma missão divulgar dentro do meu alcance, pelas minhas redes sociais, o que isso significa e como isso me afeta, na esperança de ajudar outras pessoas.
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iana-cordeiro@hotmail.com
Que legal Iana, tão nova e já alcançou tantas coisas, parabéns e muito sucesso