
Melissa Mecenas Oshiro e filha
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Melissa Mecenas Oshiro: Eu jamais me vi como alguém especial. Mas, alguém cheia de limitações e problemas. Muito tímida, introspectiva, com extrema dificuldade de interação social. Mas, nasci nos anos 80, cresci e me tornei adolescente nos anos 90, e pouco se sabia sobre superdotação, nesses períodos, o que dificultou a descoberta no momento ideal, ou seja, logo no início da vida. O que eu conhecia disso eram apenas os mitos de gênios, famosos, ricos, etc. Eu esperava me curar da timidez, e da sensação de ser inadequada e até desse extremo idealismo e hipersensibilidade. Mas, conforme a vida foi transcorrendo, e eu fui adquirindo algumas frustrações, traumas, lutos e etc, isso se intensificou. Na verdade, eu estava à procura de ajuda para minha filha, nos meus 41 anos, quando a psicóloga Cristiane Araújo disse que identificou em mim os traços das Altas habilidades e do Autismo. Eu já tinha um prejulgamento interno e externo de que o meu problema era advindo de um temperamento ruim, de uma antipatia, e até de um ser humano esnobe e enjoado que eu era. Era assim que eu me via, era assim que eu sofria, mas já estava conformada de que a culpa era minha, mas não sabia como parar de me sentir tão mal a meu respeito.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Melissa: Minhas áreas de altas habilidades são a literatura e a religião.
SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?
Melissa: Eu fui avaliada como autista superdotada. Considero que esse serviço profissional é desconhecido da maioria. As altas habilidades são mal compreendidas e ainda há muito preconceito e ilusões a respeito. O que resulta é que demoramos a descobrir nossa divergência e quando descobrimos ainda temos que lutar contra nossa própria autossabotagem porque não somos o gênio idealizado, não ficamos famosos nem ricos e precisamos lutar dia após dia contra o preconceito e a cobrança e autocobrança excessiva.
SM: Por que não se conhecer é uma arma afiada contra si mesmo?
Melissa: Porque quando você não sabe quem é não entende suas necessidades, tenta se identificar com a maioria, começa a autossabotagem, a se culpar excessivamente, fica triste, pode entrar em depressão. E tudo isso poderia ter sido evitado se eu soubesse desde cedo que as minhas necessidades sempre serão diferentes das outras pessoas e está tudo bem.
SM: Explique o seu entendimento sobre o tabu em relação às pessoas com neurodivergências, tais como autismo, altas habilidades ou superdotação e múltiplas condições.
Melissa: Depois que eu tive o diagnóstico de autismo e altas habilidades ficou mais fácil de entender porque eu era tão diferente das outras pessoas, e entendi que eu sempre vou precisar viver de um modo diferente para ser feliz. Que me fingir de outra pessoa não vai funcionar, pois é autodestrutivo. Não posso escolher quem eu sou. Algumas coisas nunca serão para mim, como me sentir idêntico, ou confortável no público. Mas, saber quem eu sou, ressignificar o passado não foi suficiente. O diagnóstico me trouxe cobrança, e aflição. Principalmente quanto às altas habilidades. Porque não me identifico em nada com o mito do gênio. Tenho muitas dificuldades financeiras, emocionais e tenho feito treinamento cerebral para melhorar uma lentidão do meu cérebro por excesso de traumas. Nos últimos anos, tenho sentido sensação excessiva de cansaço e desânimo que não apenas estavam vindo da depressão, mas também dos traumas que lentificaram meu cérebro. Hoje, eu tento não me cobrar tanto. Apenas desenvolver minhas altas habilidades com paz, para ser feliz e me sentir satisfeita em poder contribuir na sociedade com meus livros e outros trabalhos artísticos, cristãos e de videoartes.
SM: Como é ser uma mãe neurodivergente com uma filha neurodivergente?
Melissa: Não é difícil para mim, é apenas difícil quando a gente entra em contato com as pessoas que não são neurodivergentes ou que não entendem sobre o assunto ou não tem nenhuma empatia. Mas, depois do diagnóstico, passamos a ter mais contato com outras mães e crianças neurodivergentes e isso é muito bom; com profissionais que sabem nos ajudar também. De repente o mundo não é mais nosso inimigo, e nós não somos culpados de nada, somos apenas diferentes.
SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Melissa: Sim, minha filha e eu fazemos acompanhamento psicológico. É extremamente importante porque eu pouco sei sobre o assunto. A maior parte que sei é sobre minha própria vivência como uma criança, adolescente e adulta diferente que sofria pela inadequação e a também na experiência de ser mãe de uma neurodivergente. Mas, no restante, a orientação, e as questões emocionais são importantíssimas no tratamento para nós duas. E também faço treinamento do meu cérebro por causa da lentidão formada pelos traumas.
SM: Algum lema motivacional?
Melissa: A minha inspiração sempre foi Yeshua (Jesus de Nazaré). Descobri recentemente que ele era analfabeto (segundo muitos historiadores). O alto entendimento dele sobre as escrituras e sobre o que poderia melhorar a vida das pessoas na época, identificando hipocrisias no sistema político e religioso, sua coragem de enfrentar as autoridades defendendo os mais fracos, faz-me crer que ele era um superdotado. Alguém que passou pela incompreensão, pelo preconceito e julgamento, por não apresentar características ideais, ou seja, de um rei ou uma autoridade empossada, tanto como somos cobrados perante o mito do gênio, ele foi cobrado a ser um rei cruel e poderoso, mas se negou a ser. Por isso eu entendo que devemos fazer o nosso melhor, e buscar paz. Nossas necessidades são mais importantes do que os modelos oferecidos a nós.
SM: Quais os títulos dos seus livros publicados? Quais assuntos você desenvolve em cada um deles? Onde podemos adquirí-los?
Melissa: “A lenda das Mulheres Proibidas” (é uma ficção, abordo temas como poder, amor, abuso, estupro, conquistas territoriais. Nessa história inclusive há uma breve passagem de um neurodivergente, cujo professor e pai não o aceitam), “Mônica” (romance; os assuntos são abuso, machismo, abandono, e pessoas em tratamento contra o câncer), “O limite do amor” (romance ficção, abordo temas como luto e autossabotagem, depressão e violência psicológica), “A volta do filho e outros contos” (são vários contos, sendo o principal uma história póstuma contando da chegada do meu pai no céu, seus dramas para entender sua passagem na terra) e “As cinco estrelas” (romance, abordo temas de altas habilidades sem saber que estava falando disso, porque escrevi antes de saber do tema – eu os chamo de estrelas no livro; falo sobre os dekasseguis – trabalhadores brasileiros no Japão, autossabotagem, doenças psicossomáticas, luto e a decepção da personagem principal com a fama). Os livros estão à venda na Amazon e no site da Editora Life.
SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Melissa: A minha filha é acompanhada num instituto para autistas, onde faz motricidade e natação, tem acompanhamento de outros profissionais como dentistas, assistente social. Lá ela espera vaga para outras especialidades como fonoaudiologia e terapia ocupacional. Esse espaço é muito importante para o desenvolvimento dela e também para que possamos ter um apoio de pessoas que sabem como nos orientar para o desenvolvimento dela, sem preconceito, sem sofrimento, como geralmente é no contato com o mundo.
SM: Algum recado pra galera?
Melissa: Bom, eu gostaria de agradecer você por estar aqui como neurodivergente em busca de entender melhor a sua história através da minha. Eu espero poder ajudar você a não se cobrar tanto, a ter mais paciência consigo mesmo, porque tudo vai passar, tudo há de melhorar, na compreensão de que não existe erro, fomos feitos assim porque temos algo único a dar ao mundo: nossa alta habilidade; de maneira a trazer alguma doçura ao mundo, alguma luz sobre as escuridões. Posicionando-se como alguém que exige respeito, mas também esclarece com gentileza, a quem não faz a menor ideia do que é ser diferente e sofrer com isso, nós podemos ajudar os futuros filhos divergentes desses não neurodivergentes.
Se você não é um neurodivergente, eu te agradeço mais ainda por ter lido a minha história, porque isso te capacita a tornar o mundo menos hostil a muitos de nós que estão sofrendo muito agora ou sofrerão futuramente.
Desconfio que meu pai era um neurodivergente, com muitos sofrimentos e diferenças durante a vida, mas não teve diagnóstico. Muitos de vocês que vieram aqui sem saber nada sobre altas habilidades, e autismo, podem ter conhecido muitas pessoas e não reconheceram e não souberam ajudar. O conhecimento e o amor são a chave não para tornar todos iguais, mas para suprir as diversas necessidades nossas. Conforme vamos aprendendo sobre quem somos, aprendemos o que precisamos, e isso trará uma vida de qualidade. Isso é o mais importante, isso é insubstituível, a dignidade, a paz e a aceitação de quem somos. Não esqueça, Deus te ama!