
Alberto José
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Alberto José: Havia uma desconfiança devido ao meu histórico em idade escolar e, devido a certa rigidez, eu estava entrando em uma tônica de sobrecarga e autonegligência, o que me levava a comportamentos de risco potencialmente suicidas. Apesar de eu identificar os comportamentos, não conseguia flexibilizar e mudar minha conduta, daí me foi aconselhado por minha esposa, que é neuropsicóloga, a fazer uma avaliação para ter um entendimento mais profundo do que me acontecia.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Alberto: Linguística e lógico-matemática.
SM: Quais os títulos do seu álbum de blues e dos seus livros de poemas? O que inspirou essas publicações?
Alberto: Meu álbum de blues se chama “Expresso pra lugar nenhum” e reflete muito sobre a minha maneira de funcionar, ágil e determinado como uma locomotiva, mas sem ter, necessariamente, um objetivo, me colocando sempre em movimento desenfreado. Meu primeiro livro, “Ensaios incandescentes” alude ao meu hábito juvenil de fazer uma fogueira e queimar os cadernos onde escrevia meus poemas (escrevo espontaneamente desde 15 anos), hábito incendiário do qual, felizmente já me desvencilhei. O segundo, “Ode à carne”, trata de questões existenciais da vida material onde tudo é efêmero e contemplamos como certeza únuca o sofrimento, nas formas da doença, da velhice e da morte. “A noite mais escura de minh’alma” alude ao período pós-pandêmico, que me obrigou a lidar com diversos lutos e, durante à escrita do qual, obtive a identificação de minha condição neurodivergente.
SM: Por que você não gostava de ir à escola?
Alberto: O sentimento de tédio era corriqueiro, nem sempre os assuntos abordados eram do meu interesse , tampouco seguiam meu ritmo. A convivência com os colegas nem sempre era harmoniosa, mas isso foi melhorando ao longo do tempo, até a faculdade. No fim do ensino médio houve a pior crise, pois eu estava em um instituição que tinha interesse em explorar meu potencial como forma de propaganda de aprovação em concursos, o que me levou a uma saudável rebelião. Doía-ma a sensação de ser usado, sobretudo por quem não se importava se eu estava bem ou não. Foi o momento em que iniciei um quadro de depressão.
SM: Durante o seu relato pessoal, você é bastante explícito sobre algumas das suas pontuações de QI, seja no total, seja nos subcomponentes, ainda relacionando-os com as suas vivências e percepções. Você poderia contar para nós qual a importância de tratar os testes de QI, suas pontuações, instrumentos psicométricos, avaliações neuropsicológicas, outros testes e documentos da psicologia com maior naturalidade e menos tabu?
Alberto: Certamente! Não é novidade que várias ideias errôneas alimentam preconceitos do senso comum a respeito dos testes mencionados, muitas dessas ideias, inclusive, são veiculadas pela imprensa. Ao me deparar com esta ferramenta sendo usada comigo com uma finalidade clínica, procurei me inteirar do que realmente são os testes de QI para desconstruir preconceitos – sobretudo os meus próprios – que são alimentados pela desinformação e difusão de dados questionáveis. O potencial de um ser humano nunca poderá ser reduzido a um número. O objetivo do teste não é outro se não servir-se do mesmo como uma ferramenta para melhor entendimento do todo. No meu caso, o resultado foi revelador em relação às minhas assincronias, meu perfeccionismo e minha lentificação executiva, bem como explicam a facilidade incomum que apresento para alguns aprendizados e algumas tarefas específicas.
SM: A genialidade não é o destino compulsório das pessoas com AH/SD, por mais que a grande mídia romantize a condição e misture indevidamente estes dois conceitos. Qual a sua ideia de realização pessoal?
Alberto: Paz no coração e comida na mesa! O que realmente precisamos é simples, na verdade, só que criamos muitas complicações desnecessárias. Fazemos um conceito de sucesso muito distorcido e estereotipado, enveredando-nos por concepções vaidosas que envolvem méritos e privilégios, fascinando-nos, por vezes, com uma lida abusiva conosco e com os outros e que só leva a aprofundar as feridas que achamos estar buscando tratar. Aceitar-se como se é e aproveitar as coisas simples da vida é menos trabalhoso e mais gratificante!
SM: Você ou algum membro de sua família recebe algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Alberto: Sim. Eu e minha esposa somos terapeutas e temos consciência da necessidade de nos cuidar. Hoje tenho consciência que algumas questões que me levaram a buscar terapia anteriormente derivam do meu modo de funcionar. Não chegaria ao ponto de buscar a avaliação se não estivesse fazendo análise por 5 anos e entendo a identificação AH/SD como uma peça chave em meu processo de autoconhecimento, a partir do qual posso buscar medidas salutares.
SM: Algum lema motivacional?
Alberto: Não existe aventura maior e mais emocionante que a jornada do conhecimento de si mesmo.
SM: Você ou algum membro da sua família recebe algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Alberto: Não. Infelizmente não tive acesso a nenhuma intervenção diferenciada de educação especializada durante toda a fase escolar e, por enquanto, sou o único que foi laudado, em minha família.
SM: Algum recado pra galera?
Alberto: Alguns. Estou tomando consciência de como é difícil ter uma adaptação a um mundo que não é feito pra mim e como demanda esforço salvar as pernas de serem cortadas no leito de Procusto. Continuo olhando tudo oque faço com severa desaprovação, mas ter consciência de minha autocrítica agravada pela alta intensidade emocional me leva a flexibilizar. Afinal, não ser perfeito e cometer alguns erros não acarretará que os deuses me fulminem! Posso, também, tentar ser mais tolerante com os outros, pois, talvez, não tenham a mesma dedicação que eu a suas tarefas simplesmente porque não conseguem. Sei que minha tolerância emocional à frustração e à rotina, em contrapartida, é bem mais baixa. E a parte mais difícil é entender que eu também tenho direito ao descanso e ao lazer, não só direito, como também a necessidade. Utilizar a inteligência para criar estratégias e compensar as dificuldades adaptativas é algo que tenho percebido que faço o tempo todo. Porém, não dou conta de tudo e uma ajuda pode ser bem-vinda em um momento como esse e não deixo de buscar. Acredito que possa vir a ter uma vida mais funcional e saudável, mas tal não vai se dar sem quebrar preconceitos e regras rígidas e sem entender que nem tudo o que funciona para os outros precisa funcionar para mim. É um aprendizado difícil e árduo, mas estou tentando!