
Alvaro Henrique
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Alvaro Henrique: Embora sempre cresci sabendo que era diferente, e sabendo que os outros sabiam que era diferente, o diagnóstico só veio depois dos 40 anos, enquanto estava tratando uma depressão após um divórcio durante a pandemia. Naturalmente, procurei ajuda psicológica pra esta questão, e ao longo do tratamento a profissional desconfiou que havia algo mais ali que fazia o tratamento não ter o mesmo resultado. Ela solicitou uma bateria extensa de exames, cobrindo questões além da neurodivergência, e foi uma surpresa ter esse resultado. Depois, fez todo o sentido, mas o estereotipo do gênio cria muitos mal-entendidos.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Alvaro: Idiomas, música e ciências.
SM: Quais idiomas você fala e por quais você demonstra interesse?
Alvaro: Com fluência, espanhol e inglês. Morei na Alemanha, perdi bastante do alemão, e estou querendo melhora-lo. Estou começando no latim e no chinês. Qualquer idioma cujo uso me parece pratico me interessa. Tem um filme com o Antonio Bandeiras, o 13o Guerreiro, no qual ele interpreta um árabe que viaja com vikings. No filme, ele aprende o idioma só de ouvir as pessoas. Já me aconteceu algo parecido em viagens pela Finlândia e Grécia.
SM: Qual o tema da sua pesquisa doutoral? O que lhe atraiu para ele?
Alvaro: Ainda é possível ter alguma alteração, mas tudo já aponta para ser sobre obras que constituem parte das primeiras obras para violão solo de compositores nascidos em Brasília. O fato de eu ser de Brasília é um fator muito forte para determinar esse assunto, mas desde o diagnóstico uma coisa que me questiono muito e o quanto certas escolhas são genuinamente minhas ou são o que me foi permitido escolher.
SM: Quais instrumentos musicais você toca e por quais você demonstra interesse?
Alvaro: Vou ser polêmico com a comunidade. Há provas claras (Karl Anders Ericsson é só um dos exemplos) que excelência demanda especialização. Quando falo excelência, não estou falando do seu amigo ou parente achar bonito, estou falando em ser premiado em concursos internacionais de interpretação musical. Como ter esse nível de excelência é algo importante pra mim, me dedico exclusivamente ao violão erudito – que é o mesmo violão de nylon que voce tem em casa, mas com uma técnica e um repertório mais próximos do piano que do universo do acompanhamento de canções – que, na minha visão, nem é tocar violão, assim como ninguém diz que toca piano, violino, flauta, só batendo acorde.
Já estudei oboé, regência coral, canto lírico, guitarra elétrica, piano, mas os caminhos foram se desenhando no mundo do violão clássico de um jeito mais simples e mais fácil que nos demais instrumentos. Quando chegou o momento de buscar um curso superior em musica, foi a hora de definir uma especialização, e tenho me dedicado ao violão erudito desde então.
SM: O que lhe atraiu, de todos os lugares, a estudar em Georgia nos Estados Unidos?
Alvaro: Responder essa pergunta foi o que mais me atrasou a responder essa entrevista.
Quando ela chegou, estava vivendo uma situação que ainda era uma ferida aberta. Mas vamos do começo.
O estudo de musica no nível de graduação e pós é uma área bastante delicada.
Raramente os cursos têm estrutura e pessoal suficientes para ofertar varias opções de professores, orientadores, de acordo com a area ou o instrumento. Isso faz com que aquela universidade toda, com milhares de professores, na verdade significa, para os alunos de música, apenas um único professor que leciona seu instrumento ou pesquisa na sua área. Então a escolha de local para estudo não é uma escolha de qual instituição, mas é uma escolha de qual pessoa.
Naturalmente, o local tem algum peso. Em função de ser servidor publico estável (sou professor na Escola de Música de Brasília), e já ter ingressado no serviço publico com mestrado, o doutorado seria a minha última oportunidade de estudar no exterior. Como o sistema educacional na Europa é diferente do brasileiro, validar diplomas europeus, na minha área, envolve um risco. Já os diplomas estadunidenses, por serem o mesmo sistema educacional, são mais fáceis de serem validados.
Uma vez limitado geograficamente, a questão nunca foi qual estado ou qual universidade nos EUA, mas qual pessoa. Infelizmente fiz uma escolha errada, fui enganado, e vivi situações extremamente desagradáveis com meu orientador. Estou me transferindo para a University of Minnesota, esperançoso de ser um recomeço melhor. Vamos aguardar. Infelizmente o momento nos EUA também é bastante ruim. É um momento em que o mundo mudou mas gerações inteiras estão se recusando a mudarem junto, e nos EUA há muita permissividade para perseguições e assédio moral por parte dos professores. É uma legislação totalmente diferente, e há formas de discriminação que são permitidas na lei. Pior: professores que foram punidos por descumprirem a lei estão conseguindo reverter na justiça suas punições. É um ambiente em que um professor universitário pode ser extremamente bem sucedido em ser um destruidor de vidas por toda sua carreira acadêmica.
SM: Quais metas ou projetos você ambiciona realizar nos próximos anos?
Alvaro: Muitos. Resumindo, quero realizar todos os sonhos que me foram roubados. Quero chegar na final do maior concurso de violão do mundo. Quero receber um Grammy. Quero ter o reconhecimento justo de acordo com o trabalho que tenho realizado. Quero poder levar ao público a gravação que fiz de todas as musicas com violão de Heitor Villa-Lobos – faltam etapas após a gravação. Quero formar uma família. Quero lecionar no nível superior. Quero todas as coisas que me disseram, direta ou indiretamente, que era um desperdício querê-las.
SM: Você ou algum membro de sua família recebe algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Alvaro: Atualmente, com a transferência das universidades, estou num limbo no seguro de saúde dos EUA, e não estou recebendo acompanhamento no momento. Já fiz sessões recentemente, e foi um pouco estranho fazer terapia nos EUA. Quero retomar, mas imagino que não vai ser simples encontrar um profissional que funcione adequadamente. Há um excesso de pragmatismo, como se uma sessão fosse uma “novalgina mental” – e não é assim que funciona.
SM: Algum lema motivacional?
Alvaro: Faça todo dia algo que vai te deixar mais perto dos seus sonhos. Nem que seja só um passo, uma etapa, dentro de milhares que precisam ser feitas.
SM: Você ou algum membro da sua família recebe algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Alvaro: Não.
SM: Algum recado pra galera?
Alvaro: Precisamos estar juntos. Nos PAHSD precisamos de um esforço para estarmos em comunidade. O isolamento dos nossos hiperfocos, o conforto dos vieses de confirmação, a seguranças de nossas bolhas são lugares muito confortáveis para nós. Mas precisamos ser uma comunidade e precisamos ser agentes políticos no sentido grego da palavra, político de “da pólis”, “da cidade”. Enquanto a gente for visto como seres que só existem nas escolas de ensino fundamental, seguiremos sofrendo nos consultórios. Terapia ajuda para amenizar dores que não ocorreriam caso PAHSD fossem considerados existentes na sociedade. Enquanto a sociedade não entender que a gente existe, seremos só os bichos estranhos. Na melhor das hipóteses, gente excêntrica que é engraçada de ver numa série de TV. E isso não basta.