Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Victor Evangelho: Eu nunca me achei inteligente, nunca fui o primeiro aluno da turma e sempre tive dificuldade em matemática. Ter altas habilidades/superdotação (AH/SD) nunca passou pela minha cabeça e na minha época esse tema não era abordado na mídia e nem nas redes sociais.
Socialmente, eu sempre fui visto como “estranho”; era essa a definição usada quando se referiam a mim. Então, eu apenas entendia que era diferente.
Somente na vida adulta, enquanto cursava Biologia e Biomedicina, comecei a perceber que eu tinha algum transtorno de ansiedade. Desde pequeno, sempre apresentei um comportamento ansioso, mas é difícil compreender o que sentimos quando não conseguimos nomear aquilo.
Quando eu tinha 25 ou 26 anos, minha mãe foi identificada com AH/SD durante um curso sobre avaliações psicopedagógicas. Ela chegou em casa me contando e dizendo que eu também deveria ser AH/SD. Na época, eu tinha em mente o senso comum de que pessoas com altas habilidades eram boas em tudo, e eu não me via dessa forma. Aos 28 anos, fui avaliado na Universidade Federal Fluminense e obtive o resultado indicando AH/SD e no mesmo ano um psiquiatra me diagnosticou com Transtorno de Ansiedade Generalizada, um combo, rs.
Em relação a identificação de AH/SD, entrei em uma certa negação, como se eu tivesse “dado sorte no teste”. A UFF me incluiu como estudante com AH/SD, e eu passei a assistir às aulas do mestrado mesmo estando na graduação. Depois, fui aprovado no processo seletivo do mestrado seis meses antes de me formar. Concluí o mestrado em apenas um ano e fui adiantado para o doutorado, com a anuência da CAPES. No último mês do doutorado, passei em Medicina na Universidade Federal Rural do Semi-Árido e, mesmo após tantos anos, ainda não me via como uma pessoa com AH/SD.
Aos 33 anos, fui novamente avaliado por outro neuropsicólogo e, após os testes, o resultado foi o mesmo. Somente depois dessa segunda identificação consegui fazer as “pazes” comigo mesmo.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Victor: Eu acredito que a minha principal capacidade está na resolução de problemas, especialmente dentro da área científica. Tenho facilidade em estabelecer conexões entre ideias e informações que, à primeira vista, podem parecer incompatíveis, mas que, quando integradas, revelam novos insights.
SM: Você poderia nos fornecer um panorama da sua trajetória profissional e acadêmica?
Victor: Eu tenho Doutorado e Mestrado em Ciências e Biotecnologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com experiência em genética molecular humana, bioinformática estrutural e desenvolvimento racional de fármacos, com ênfase no estudo das bases genéticas do Transtorno do Espectro Autista (TEA), área na qual atuo desde 2016.
Possuo graduação em Biomedicina (Bacharelado) e Biologia (Licenciatura), com habilitação em Genética e Psicobiologia pelo Conselho Regional de Biomedicina. Eu complementei a minha formação com algumas especializações, como: Neurobiologia e Psicofarmacologia dos Transtornos Mentais, Neuropsicopedagogia e Psiquiatria e Saúde Mental.
Atualmente, estou cursando a graduação em Medicina na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).
Ao longo dessa caminhada eu recebi alguns reconhecimentos, como o Prêmio de Excelência da UFF (2018) e a bolsa de mérito acadêmico “Doutorado Nota 10” da FAPERJ (2023). Mais recentemente, fui incluído no ranking internacional AD Scientific Index (2025), que avalia o impacto científico e a produtividade de cientistas em âmbito global.
SM: Quais têm sido seus temas de pesquisa até então? Alguma linha futura que você ainda gostaria de desenvolver?
Victor: Durante o doutorado, desenvolvi 90 novas moléculas com potencial para se tornarem medicamentos voltados à amenização da sintomatologia do autismo. Contudo, o doutorado foi realizado com metodologia in sílico, ou seja, por simulações computacionais. Futuramente eu gostaria de sintetizar essas moléculas e verificar os resultados in vitro e in vivo e potencial terapêutico.
SM: Por que o rótulo da superdotação costuma desencadear insegurança nas pessoas superdotadas e desconfiança nas pessoas não superdotadas?
Victor: Nas pessoas com AH/SD, o “rótulo” muitas vezes carrega o peso de precisar saber tudo e ser excelente em todas as áreas, uma expectativa que não corresponde à realidade, mas que ainda é fortemente sustentada pelo senso comum sobre o que significa ser AH/SD. Quando não atendemos a essas expectativas, surgem sentimentos de insegurança e até dúvidas sobre se realmente possuímos altas habilidades.
Já a desconfiança de terceiros, muitas pessoas recebem negativamente o fato de alguém se identificar como AH/SD, ou de um pai ou mãe afirmar que o filho é superdotado. É entendido como uma tentativa de se vangloriar ou se colocar em posição de superioridade, o que contribui para o estigma e para o silêncio em torno do tema.
SM: Você acredita que as instituições de ensino deveriam realizar encaminhamentos assertivos para a avaliação de neurodivergências? Quais os possíveis benefícios de tais encaminhamentos, avaliações e eventuais diagnósticos?
Victor: Acredito que sim. Considerando que pessoas com altas habilidades/superdotação (AH/SD) são público-alvo da educação especial, é fundamental que as instituições realizem o rastreamento desses indivíduos, a fim de oferecer o suporte previsto em lei.
Os benefícios podem ser compreendidos em duas dimensões: individuais e coletivos. Os benefícios individuais envolvem o favorecimento ao autoconhecimento, a possibilidade de participação em programas específicos voltados a pessoas com AH/SD, além da oportunidade de aceleração escolar ou de períodos em cursos de ensino superior, entre outras formas de incentivo ao desenvolvimento pleno do potencial.
Já os benefícios coletivos, esses estão relacionados à expectativa de que o indivíduo, ao receber o apoio e os estímulos adequados, possam futuramente contribuir com a sociedade de maneira significativa, ainda que essa contribuição não seja uma obrigação de quem possui AH/SD.
SM: Você ou algum membro de sua família recebe algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Victor: Não possuo e não recebo.
SM: Algum lema motivacional?
Victor: Infelizmente não tenho, rsrs.
SM: Você ou algum membro da sua família recebe algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Victor: Não possuo e não recebo.
SM: Algum recado pra galera?
Victor: Existem as pessoas com AH/SD que vão saber muitas coisas na ponta da língua, como enciclopédias. Há também as pessoas com AH/SD que vão saber muito sobre as áreas que são dos seus interesses, seja um interesse acadêmico, esportivo ou artístico. Um “tipo de pessoa” com AH/SD não é mais ou menos superdotada que a outra, embora a sociedade valorize mais um tipo de conhecimento do que outro.
Existem critérios para se identificar alguém com AH/SD, mas é preciso deixar claro que existe singularidade na expressão desse potencial.
