Relato Pessoal: Rejane Vieira

UM POUCO DE MIM E DE MINHA HISTÓRIA!

Como assim, falar de si, alguém que você conhece melhor que qualquer um? É, simplesmente é a coisa mais difícil de fazer!

Pois é, falar de nossa história pode ser algo bem complexo, principalmente quando se tem muitas histórias para contar, que é o meu caso.

Começarei voltando há alguns anos, mais precisamente em 1985, quando eu tinha cinco anos e desde já, advirto que não contarei todas as histórias de que lembro, porque daria um livro gigante, o que para mim não seria um problema, você vai descobrir o porquê.  Também não me deterei a detalhes, embora isso faça parte espontaneamente de quase tudo que faço. Buscarei trazer para o relato algumas situações em que as altas habilidades/superdotação me colocaram em apuros ou me salvaram. Vamos lá? (Risos).

Um belo dia, ao abrir a janela da sala, senti uma sensação muito forte que mesmo hoje, depois de 36 anos, eu ainda não saberia descrever; aquela sensação me trouxe para um estado permanente de curiosidade pela vida, sendo ali ativada para mim a função: busca por conhecimentos! Desde aquele momento, o conhecimento funciona como cordas e portas, que me permitiram escalar e acessar novos e mais lugares. Meu modus operandi foi “iniciado” ali “conscientemente” e, por causa disso, eu cresci como cresci, sorri do que sorri, sofri e me vi em apuros também.

Ao escrever um pouco sobre minha história de vida, pensei sobre quais habilidades me ajudaram a sobreviver aos desafios e problemas que ESTA existência me trouxe. Nessa jornada, passei frio em diversos momentos, fui agredida física e emocionalmente diversas vezes, vi a fome tão de perto que doeu a barriga, vi pessoas que eu amo sofrerem, vi minha mãe ser massacrada em seus sonhos, ser espancada e violada, mas ela sobreviveu, era meu exemplo de líder, eu não poderia aprender de um modo diferente. Também me diverti um bocado, muitas e muitas vezes sozinha, explorando a natureza, observando os bichos minúsculos e lendo livros dos quais me lembro até hoje, como: A estranha máquina extraviada e o feliz ano velho era um deles. Também brincava com meus irmãos, principalmente de restaurante, acho que é por isso que aprendi a cozinhar aos 7 anos de idade.

Quando eu quase morri em um acidente de carro em 2010, onde eu não esqueço o filme de toda uma vida que passou em milésimos de segundos, entendi ali, vendo aquelas rodas do caminhão passarem em minha frente por cima do capo, que eu deveria ser muito grata por cada dia, cada segundo, cada milésimo de vida que tenho até hoje. Ali percebi que, alguns de meus vícios como: sonhar acordada, viver apaixonada, mesmo que às vezes “iludidamente”, sorrir de mim e com minhas lembranças amigas e peçonhentas, em momentos de solitude, faziam muito sentido.

Três coisas vivenciei intensamente em minha infância e adolescência: a escassez, a criatividade e a superação. Observei que, nas ocasiões em que nos faltava o mínimo, até para comer, eu sempre acabava encontrando uma forma de usar minha criatividade e capacidade de aprender, rápido e só, para produzir coisas que pudessem ser vendidas. Uma vez aprendi a criar papeis de carta, usando o saco transparente que pegava “emprestado” no mercantil (risos) e canetinhas, também emprestadas da minha amiga Rafaely, amiga que inclusive, me emprestava amorosamente seus livros para eu estudar, pois não tinha como comprá-los. Aos nove anos, comecei a dar aulas de reforço e com o que recebia ajudava minha mãe a comprar as frutas da semana, que inclusive eram transportadas em um carrinho de mão, porque a granel saia mais barato. Assim, posso dizer que hoje valorizo a variedade de opções de frutas com muito prazer (risos).

Naquele tempo, também descobri o vício em fazer cursos, que inclusive tenho até hoje. Fazia todos que me eram permitidos e eu aguentasse. No CSU – Centro Social Urbano, lojas de artesanatos e ABCs – Centros profissionalizantes para Adolescentes, pois ou eram de graça, ou a preços muuuuito camaradas. Adquiria as mais variadas habilidades, afinal não dava para escolher, as oportunidades eram aproveitadas com unhas e dentes e nessa jornada aprendi a fazer bijuterias, biscuit, arranjos de flores, móbiles para quartos de crianças, gesso, sabonete, velas, sachês, tudo que pudesse vender e ajudar a comprar comida, afinal eu estava na base da pirâmide de Maslow (risadas).

Meu pai era alcoólatra e fumante, não tinha trabalho fixo, embora fosse referência em projetos elétricos até para engenheiros eletricistas, sem ao menos ter o segundo grau completo. É, ele era muito inteligente, mas tinha muitas dificuldades com disciplina e constância de humor, o que acabou tornando nossa jornada um “pouco” mais difícil e o progresso dele na Terra, imagino. À medida que crescia, fui ganhando um pouco mais de autonomia e liberdade, já podia pegar um ônibus e expandir meu market share, (risos) tinha clientes até no Fórum Central de Fortaleza. Detalhe: eu morava a 20km e levava até 1 hora e 30 minutos de ônibus para chegar lá. E eu só tinha 13 anos. Valia muito a pena. Dava dicas de bijuterias para as clientes em acordo com seu estilo de roupas, e às vezes construía peças customizadas para as mesmas.

Mas o tempo foi passando e eu fui me tornando uma adolescente, já tinha 14 anos e busquei fazer cursos mais profissionalizantes, então passei a frequentar o ABC, próximo de casa. Fiz cursos de pintor letrista, computação, técnicas de escritório e eletrônica básica, pensando em como adquirir mais habilidades que pudessem me levar a um emprego com carteira assinada, pois queria subir para o segundo nível da pirâmide de Maslow. Não estava dando muito certo e até latinhas de refrigerantes eu fui vender no Fortal. Preciso falar que foi tudo muito legal, sempre gostei de conversar e nunca tive vergonha para abordar ninguém. Vendia bem, mas, ao que me parece, eu desaprendi um pouco ao longo do tempo (uma carinha pensante).

Na escola, resolvi participar de um desfile para ganhar uma bolsa de estudos e aliviar mais as contas. Foi quando descobri que poderia malhar por mais de 7 horas sem me sentir exausta. Corria mais de 15 quilômetros, experimentei natação e kung-fu e às vezes fazia mais de uma destas atividades no mesmo dia. Quanto mais exercícios fazia, mais elétrica eu ficava. Até um ano atrás não sabia como poderia denominar aquilo, hoje eu sei, o nome é: sobre-excitabilidade psicomotora. Também entrei para os times de futsal e vôlei da escola. Trouxemos um ouro e uma prata (risos), foi um momento maravilhoso e terrível de minha vida, eu estava em plena adolescência, precisava ocupar a mente e gastar uma energia que nunca acabava. Diziam que eu recarregava minha bateria correndo (risos), na mesma época tentei também teatro, cantar e dançar ballet, mas não havia como investir. Então, eis que chega a época dos estudos para o vestibular e descubro uma capacidade acadêmica que também desconhecia até então, eu conseguia ficar focada em um livro de Biologia por quase 20 horas e se pudesse não parava mais, isso também tem nome, é a sobre-excitabilidade intelectual, que era incrível: a ausência de vontade de ir ao banheiro, parar para comer ou fazer qualquer outra coisa até terminar o livro; na época, minha mãe chamou de compulsividade e era um pouco disso também, por isso é tão importante o trabalho da flexibilidade cognitiva, mas nem eu e nem ela sabíamos disso. Nessa mesma época, ela passou a ser minha algoz, traumatizada com um relacionamento terrível com o meu pai, tentava me desanimar a todo custo com a ideia de namorar, mas eu queria viver um grande amor. Eu estava no 1º ano do segundo grau e teria a grande oportunidade de namorar pela primeira vez o cara que eu gostava desde a 4ª do ensino fundamental. Até se concretizar, preciso dizer que houve muitas coisas: intrigas, mentiras e falsidade de uma amiga também apaixonada por ele, se eu contar vão achar que estou falando de um filme.

Foi um momento muito difícil, já tinha meus problemas em casa e o mundo também estava dificultando as coisas. Preciso dizer que tive muita vontade de ir embora da Terra. (Cara de tristeza) O ápice foi quando confiei a este namorado o meu translado para a minha primeira prova do vestibular. Já tínhamos um ano de namoro, mas ele me fez chegar atrasada 2 minutos, porque precisou deixar a irmã primeiro.

Eu tentei escalar o muro da Universidade Federal do Ceará – UFC e quase fui presa, mas tinha que voltar para casa e aí sim, foi meu pior pesadelo. Fui quase expulsa de casa, fui rejeitada, sofri agressões de todas as formas, nunca desejei tanto conhecer outros mundos… e ir embora da Terra. Hoje sei que a voz da consciência, que é maior que eu mesma, sempre me salvou de grandes enrascadas. Eu havia saído do status de esperança da casa para uma baita decepção, eu tinha consciência disso, mas esquecia quando a dor doía. Foi quando ele, esse mesmo namorado, resolveu me escrever para a escola técnica, o CEFET-CE, atual Instituto Federal do Ceará – IFCE. Hoje sei que um anjo me ajudou a chutar as questões corretamente (risos), pois eu estava tão revoltada com tudo que sequer lia direito as questões antes de responder, mas deu certo, eu tinha de estar lá, pois foi onde conheci meu segundo namorado e atual esposo Paulo, uma história tão looonga, engraçada e instigante que se eu fosse contar, levaria mais umas cinco páginas dentro do relato (gargalhadas).

Eis que chagamos ao fim da adolescência, e novos desafios foram se desenhando nessa fase da vida. Eu pensava basicamente em quatro coisas: namorar, estudar, trabalhar e fazer atividades físicas, nessa mesma ordem. Quanto a trabalho, como mal tinha dinheiro para me alimentar, tentei conseguir uma vaga no laboratório de microbiologia da própria escola técnica, então, passei a perseguir meu professor de Microbiologia, o professor Benvindo. Por dias e dias, chegava cedo e ficava sentada na porta do laboratório meio que fazendo pressão para ele me aceitar, pelo menos como voluntária, e deu certo! Trabalhei duro em todas as horas livres que tinha, aprendi em tempo recorde a fazer as análises e até implantei algumas melhorias no local. Passei a receber uma ajuda de custos que me permitiu passar a almoçar, porque a escola fornecia os lanches das 9 e das 15h de graça, mas não o almoço e eu mal podia pagar minhas passagens. Depois que eu e Paulo começamos a namorar, ele repartia o almoço dele comigo (coraçõezinhos e risos), um príncipe mesmo, um anjo em minha vida.

Fiz alguns amigos de verdade, os quais me acompanharam por um longo tempo. Fui indicada para participar de uma seleção em uma empresa de refrigerantes, mas ela ficava em outro município, e eis que surge um fato interessante, eu não tinha dinheiro para pagar a passagem interurbana e tive de desenrolar o telefone da supervisora do setor, contar minha situação e pedir uma carona no ônibus da empresa. Deu certo, eu fui, fiz a entrevista e, para minha surpresa, fiquei com a vaga, mas, mal sabia eu que meu desempenho chamaria a atenção da líder do setor, que passou a me perseguir. Fui humilhada verbalmente e na frente de colegas, procurei me superar cada vez mais, mostrar que eu era superior e podia fazer ainda mais e melhor, mas as perseguições não pararam, então marquei uma reunião com a Gerência – que audácia, você deve estar pensando, uma estagiária? Pois é, meu gerente da época era um cara maneiro, gente boa e um líder de verdade. Contei tudo que ela estava fazendo para todos na presença dela e pedi para sair. Foi a primeira vez que vi o quanto o universo corporativo podia ser bem perigoso para o ego e cheio de cobras. Também percebi com clareza a força que tinha para cuidar de mim mesma. Eu foquei tanto em me melhorar, que alcancei um recorde de análises e organização da rotina, fora dos padrões já vistos. Assim me disseram. Sai dali e fui buscar um outro local.

Fui parar em uma fábrica de farinhas e, mais uma vez, meu desempenho me traria grandes e graves problemas, além de mais perseguições. Essa eu preciso contar com um pouquinho mais de detalhes, porque a história já foi tema de evento teatral em um Sarau entre pessoas superdotadas (risos).

Eu entrei como estagiária e fui efetivada antes de outra estagiária, que trabalhava há mais tempo, a qual deveria ter sido efetivada na minha frente, mas isso não aconteceu, causando sérios conflitos com a pessoa e o setor. Depois, ela acabou sendo efetivada também, mas a entrada de um estagiário específico parece ter aflorado novamente o problema com força, então se uniram e começaram fazer coisas horríveis e bem estranhas, parece até script de filme de terror. Só após uma outra chefe assumir o meu setor, porque a titular havia saído de licença maternidade, é que tudo foi descoberto. Para vocês terem uma ideia, eu trabalhava com análises reológicas, de farinhas, então minhas folhas de laudos eram rasgadas ou sumiam, as soluções que eu utilizava, apareciam supersaturadas, os aparelhos eram descalibrados, etc e etc.

Eu fiz o que sei fazer de melhor, superei! (Gargalhadas) Dava um jeito de esconder as folhas de laudos para não faltar, deixava para preparar as soluções na hora, fui me desviando e aumentando cada vez mais minha produtividade e organização, aprendi a calibrar os equipamentos e até consertá-los. Um “belo” dia os funcionários se reuniram para me cobrar uma “revisão em meu ritmo”, digamos que eu estava indo rápido demais e elas poderiam estar sendo cobrados também… é mole? Chupa essa manga! Nem eu acreditei no que estava ouvindo. Então fica uma reflexão: um ponto fora da curva em uma análise estatística é desconsiderado, mas na vida real ela é perseguida! Enfim, foram atitudes como essas que me fizeram ser percebidas por quem valorizava a excelência, algo raro em minha jornada, diga-se de passagem.

Estes boicotes que relatei foram algumas das coisas que tive de passar ali, um outro grande desafio foi superar o sono e o cansaço. Eu já tinha terminado meu curso técnico em Química Industrial no CEFETE-CE e entrado para Engenharia de Alimentos na UFC, e vou explicar porque foi um novo período muito difícil. Minha chefe ignorava minhas falas sobre os problemas do setor e eu não podia pedir demissão, afinal era meu primeiro emprego de carteira assinada, eu tinha comprado muitas coisas para a casa da minha mãe. Desde 1993, quando meu pai ateou fogo em nossa casa de forma criminosa, havíamos ficado desprovidos de muitas coisas, meu colchão me permitia imaginar como era dormir nos trilhos do trem! Exagero?! É por conta das madeiras no meio do trilho, para quem não conhece (risos). Eu conheço, tinha um em frente à minha casa!

Realmente o mundo corporativo podia ser um ambiente bem perigoso e tóxico e de fato meu desempenho iria incomodar muuuita gente. Como a faculdade no primeiro semestre tinha aulas às segundas, quartas e sextas, das 8:00 às 17:00, eu acabei pedindo para me transferirem para à noite na empresa de trigo. Passei a trabalhar das 22:00 às 6:00, e quando saia do trabalho, ia direto para a faculdade. Eu também inventei de fazer um curso no SENAI das 18 às 21h, um curso de PCP – Planejamento e Controle da Produção, pois estava desesperada para sair do setor da qualidade. Aquela situação me levou a um esgotamento físico, afinal eu só dormia as terças, quintas, sábados e domingos pela manhã, dias em que eu não tinha aulas da faculdade. Foi “trash”, não recomendo abstinência de sono para ninguém, pode matar.

Foram momento bem tensos, acho que ali forjei minha segunda camada de resiliências, mas eu nunca deixei de sorrir por isso. O médico da empresa perguntava quando eu ia mudar e sempre respondi: Nunca! (Risadas)

Fiz muitas coisas legais no meu primeiro emprego. Criei cursinho para que os operadores pudessem sonhar com o curso técnico, criei uma revista para a capatazia (a galera que passava o dia carregando sacos de 50 quilos na cabeça), ela falava sobre vários assuntos; da higiene básica à ciência nuclear (risos), eles gostavam. Eu adorava sentar com eles na hora do almoço e tirar as dúvidas sobre os materiais que havia criado, ganhei o apelido de Xuxa (risos).

Na época, conheci meu segundo exemplo de líder corporativo, meu gerente da época, que, vendo meu desejo de estudar e minha condição de vida, me concedeu minha primeira demissão. Terminei de pagar as dívidas e pude me sustentar por um tempo na faculdade, local em que voltei a vivenciar novamente a escassez, lá fiz amigos que guardo no meu coração e traga para meu convívio, mesmo virtual, até hoje. Lá exercitei, o que considero ser uma das minhas melhores habilidades, a liderança. Eu havia sido líder de turma desde a 2ª série do ensino fundamental, não me recordo da série que não fui líder de turma desde então e isso segui pelo cursinho, curso diversos e etc.; se era para fazer as coisas acontecerem, fazer montinho, colocar as coisas no lugar, podia contar com meu total empenho. Eu era um ímã para a função de liderança onde ninguém queria assumir qualquer responsabilidade ou bater de frente com o sistema. Era minha praia, sempre adorei desafios, acho que me viciei nisso, até levar um grande tombo, em meio a uma galera medíocre e covarde que encontrei pelo caminho já depois de adulta, casada e mãe de um filho, vergonhoso! Como foi algo bem recente, não vou esmiuçar, infelizmente (risos).

Acho que minha capacidade de peitar as situações, enfrentar o errado, vasculhar e conectar prováveis irregularidades acabam tanto me ajudando quanto me ferrando feio. Na faculdade, resolvi ser presidente do C.A. – Centro Acadêmico do curso de Engenharia e acabei colocando a mão em um vespeiro até a DCE – Diretoria Estudantil nos ajudar. Depois de uma sala ser invadida e vandalizada e muitas discussões com professores, conseguimos organizar a casa (C.A.), montar ciclos de palestras, implantar os 5S, que havia aprendido na indústria de refrigerantes, e o nosso maior ganho, que só veio se concretizar quase 10 anos depois: a reforma da grade curricular. Foi uma outra época de muita perseguição, foi loucura, loucura, como diria Luciano Hulk, mas foi massa, foram muuuuitas histórias para rir e morrer de raiva (êxtase).

Terminando a faculdade, tive esperança de seguir uma carreira na área de alimentos e muito trabalho me levou a receber um convite para trabalhar em uma empresa de iogurtes, quando também busquei pela minha primeira pós-graduação em Logística. No começo, foi muito legal, dei aulas de Logística em uma escola técnica e assumi a auditoria dos CDs – Centros de Distribuições do norte e nordeste, viajei bastante, mas depois de um tempo comecei novamente a incomodar e sofri mais um golpe profissional, que os advogados chamam de assédio moral. Consegui minha segunda demissão, desenvolvi uma forte depressão e busquei superar montando minha própria empresa de consultoria. Tinha esperança que conseguiria aplicar todo o conhecimento que eu tinha adquirido até ali, mas encontrei novamente barreiras, me deparei com empresários de pensamentos medíocres, onde suas maiores necessidades eram apenas documentos para constar na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Resolvi voltar para o universo privado, em outra área, uma fábrica têxtil. Foi quando decidi fazer minha segunda pós-graduação, agora em Engenharia de Produção e Qualidade, e quando tudo parecia que ia engrenar, novas perseguições e novas decepções. No entanto, agora eu tinha Pedro Lucas, meu primeiro e único filho até o momento. Mesmo assim eu pedi demissão, tentei voltar para o universo da consultoria, mas fui frustrada no terceiro mês, já que não consigo conviver com pessoas que vivem de aparências, que economizam em competência e esbanjam em expectativas para o cliente. Eu estava sofrendo com a sobre-excitabilidade emocional e os resultados dos clientes, então tomei a decisão de mudar de área de uma vez por todas. Percebi que talvez tudo isso que eu estava passando tivesse realmente a ver com a educação destas pessoas, suas formações como indivíduos e resolvi dar dez passos para trás, aprender como se forma um homem. Afinal, eu também tinha um projeto chamado Pedro Lucas, juntamente com meu esposo Paulo, e resolvemos que eu deveria investir nesta área, focar nele primeiro, e depois ajudar a outros com a experiência. Assim, fiz minha formação em Life Coach e Coach Educacional, segui para a Neuropsicopedagogia e, à medida que eu conhecia todo esse universo e a Neurociência, aplicava os conhecimentos em minha vida e em casa. Descobri que a tarefa mais difícil deste mundo é educar alguém. Foi na Neuropsicopedagogia que eu descobri que tenho altas habilidades/superdotação, quando um sol se abriu dentro da minha alma. Eu me senti como o indivíduo que fugiu da caverna de Platão (risos), o mundo tinha novas cores e eu tinha que começar a me entender melhor para entender melhor meu filho.

Essa jornada que começou nos meus 37 anos ainda está no começo, mas devo minhas poucas quedas nesse início de jornada a três grandes seres e amigas que atuaram em minha vida como faróis e apoio, Rosana Melo, Flavia Brandão e Auxiliadora Piava, pois foram e são minhas mentoras de vida. Assim cheguei a outros, que assim como eu, vivenciam angústias similares às minhas, formas de ver o mundo como eu vejo, ou a maneira e intensidade com a qual, raros se identificaram ou entenderam quando me expresso. Eu de fato me sentia uma extraterrestre. O autoconhecimento é como uma luz que acendemos em uma sala cheia de jogos quando ainda somos crianças, ele nos traz a percepção das inúmeras possibilidades que existem e a vontade extrema de experimentar, sentir e descobrir. Mas a consciência que venho buscando arduamente dia após dia, esta sim, é como uma mentora a te guiar por essa sala de brinquedos, te apresentando com segurança cada canto, gerando o máximo de aproveitamento e aprendizado dessa experiência, trazendo para o entendimento das coisas e possibilitando as melhores decisões. Somos crianças, porque nossa ignorância não nos permite ver além do que nos apresentam os olhos pouco hábeis e pobres de repertórios de vida consciente. Eles acabam por esconder de nós a verdadeira beleza que é o viver, o não se comparar com um outro, porque cada um é único, vive esta existência de uma forma única e talvez irreprodutível, que finda e que não deveria ter tempo para perder com coisas fúteis e que não agregam à nossa jornada. Assim encerro este relato, deixando para você, a minha intenção mais íntima. Reflitam sobre como eu poderia ser alguém pior do que sou? Como eu poderia ter escolhido caminhos mais fáceis e não o lado mais estreito? Eu sei que não foi muito bom experimentar espinhos, mas não deixei de estar perto e sentir o cheiro das flores também.

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Sobre Filipe Russo

Filipe Russo é indígena agênere da Associação Multiétnica Wyka Kwara, autore dos romances premiados Caro Jovem Adulto (2012; 2022) e Asfixia (2014), assim como vencedore do concurso artístico O Olhar em Tempos de Quarentena (2020) e de prêmios de excelência acadêmica em Inteligência Artificial, Psicologia, Gamificação, Empatia e Computação Afetiva (2021). Especialista em computação aplicada à educação pelo ICMC-USP (2022), licenciade em matemática pelo IME-USP (2020). Fundadore e editore do website SupereficienteMental.com (2013-), blog com mais de 180 publicações, dentre relatos pessoais, ensaios e entrevistas, sobre neurodiversidade e superdotação ou altas habilidades. Pesquisadore no grupo de estudos TransObjeto associado à PUC-SP e no grupo de pesquisa MatematiQueer associada à UFRJ. Coautore nas antologias poéticas Poesia Política: vote, Outros 500: Não queremos mais o quinhentismo, poETes: altas habilidades com poesia, Fotoescritos do Confinamento e recebeu menção honrosa pelo ensaio Desígnio de um corpo, na 4º edição do projeto Tem Livro Bolando na Mesa. Filipe possui aperfeiçoamento em Altas Habilidades ou Superdotação: Identificação e Atendimento Educacional Especializado pela UFPel e em Serviço de Atendimento Educacional Especializado pela UFSM (2022).
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