Relato Pessoal: Everton dos Santos Borges

Pe. Everton dos Santos Borges

Pe. Everton dos Santos Borges

Eu, Superdotado?

Há poucos meses recebi o Laudo afirmando que tenho Altas Habilidades ou Superdotação. Não foi fácil aceitar. Nunca me achei com tanta inteligência, pelo contrário, a cada descoberta eu me sentia menos entendedor.

Todas as vezes que me encontrava com um serralheiro e procurava aprender um pouco de seu ofício, via que não sabia nada de como labutar com os ferros e acontecia o mesmo ao me encontrar com pedreiros, carpinteiros, médicos, psicólogos, teólogos e outros profissionais.

Ao contemplar a sabedoria de cada ser humano, eu via como precisava aprender.
Sempre me encantei pelas profissões, admiro do pedreiro que constrói casas aos astronautas, digo isso com sinceridade. Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de perguntar a cada um sobre sua missão. Gosto de aprender.

Mas, nem tudo são flores, sempre tive incertezas. Desconfio de mim, dos meus dotes, até mesmo nos assuntos em que me aprofundo.

No meu cérebro parece haver um enorme universo que aparenta ser infinito. Gerando incompreensões sobre mim e os outros, unido à sensação de que o mundo é muito mais do que ostenta ser.

Como parecem sábios os que olham para o homem e o Universo sem ser incomodado e impactado por sua complexidade! Como, muitas vezes para esses, são fúteis os pensamentos dos que enxergam além do que se vê.

Perguntei a um dos meus terapeutas quais são as semelhanças entre os superdotados que ele assiste; Dr. Juan me respondeu que fazemos muitas perguntas e que sabemos, mas achamos que não sabemos. Ele tem uma forma simples e clara de explicar as coisas, o que facilita.

De fato, essa é uma das piores sensações. Ao não me ajustar no mundo, me via como uma pessoa errada, minha vida sempre foi uma assincronia.

Tentava me ajustar e, quando não conseguia, ficava irritado comigo mesmo, feria e era ferido. Depois vinha o arrependimento e a tristeza de um pensamento que me acusa toda vez que erro e que cobra de mim uma perfeição a cada instante da minha vida.

Sim, o preciosismo. O achar que não me doei o bastante, que não fui bom o suficiente e que preciso melhorar é desgastante.

Unido a tudo isso, vem a hipersensibilidade. Sentir o mundo de uma maneira diferente através dos cincos sentidos. Assim, o barulho se torna mais alto, o frio e calor mais intensos, os sabores mais acentuados, os cheiros mais fortes. Sem falar nos sentidos que transcendem o conhecimento científico.

Imagine passar a vida com todas essas divergências sem saber que és diferente. A todo instante, o desejo de ser uma pessoa melhor, mas diante de tanto desajuste, consequente e constantemente, vem os erros como explosões, incompreensões, incertezas, dores e muitos outros. Tudo isso causava acusações, mas as piores não eram as externas e sim as internas.

Incompreendido na escola, aquela mente que poderia galgar altas colinas, passa a se esconder e se achar um nada com a triste sensação de inferioridade e o pior, o que mais doía, era, como disse o meu terapeuta, saber que eu sabia. Mas, é difícil apresentar o “verde onde enxergam o amarelo”. E quando, por vezes insistia, era colocado como um arrogante ou me perguntavam pela referência. Que referência? Isso saiu da minha cabeça, li, estudei e sei lá, de uma hora para outra veio as conclusões.

Mas, por não ter referências, muitas vezes me achava um manipulador. No ensino superior, principalmente na Filosofia, me dei bem. Aprendi a procurar referências que dessem razão para os meus pensamentos. Revelo agora que eu pensava e procurava embasamento. Tem dado certo.

Sou padre Católico e digo, unido à minha família, a religião me salvou. Ela me ligou ao transcendente. Sim, em Deus meu cérebro encontrou descanso, a meditação me acalma e me faz chegar às alturas do universo através da contemplação.

Faço esse texto admirando um lindo lago e esperando pelo pôr do sol. Hoje, começo a compreender que Altas Habilidades ou Superdotação não é somente questão de inteligência, todavia é um jeito de ser, de existir, um modo diferente de ver e sentir o Universo.

A hipersensibilidade que tanto me atrapalhou, hoje compreendida, me faz sentir a brisa suave, o cantar dos pássaros, o movimento das águas e o quanto tudo isso é belo.

Que o meu Criador me leve ao mais belo que esse mundo pode dar e que me oriente à Sua Vontade. Como me diz a Adriana Mendonça, o que eu estou vivendo é apenas o começo.

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About Filipe Albuquerque Ito Russo

Filipe Russo é indígena agênere de Manaós, vivendo atualmente em Piratininga, autore dos romances premiados Caro Jovem Adulto (2022; 2012) e Asfixia (2014), assim como vencedore do concurso artístico O Olhar em Tempos de Quarentena (2020) e de prêmios de excelência acadêmica em Inteligência Artificial, Psicologia, Gamificação, Empatia e Computação Afetiva (2021). Revisore no periódico científico Revista Neurodiversidade. Especialista em computação aplicada à educação pelo ICMC-USP (2022), licenciade em matemática pelo IME-USP (2020). Fundadore e editore do website SupereficienteMental.com (2013-), blog com mais de 200 publicações, dentre relatos pessoais, ensaios e entrevistas, sobre neurodiversidade e superdotação ou altas habilidades. Pesquisadore em diversos grupos de pesquisa ao longo dos anos, atualmente atua no Círculo Vigotskiano, no Corpo de Ações Transformadoras: Abordando Realidades Sociais pela Educação (CATARSE) associado à UnDF e no TransObjeto à PUC-SP. Coautore nas antologias poéticas "43 Poetas Neurodivergentes", "ECO(AR): Poemas pela Sustentabilidade", "Instagramável: poesia visual, concreta e instapoema", "Poesia Política: vote", "Outros 500: Não queremos mais o quinhentismo", "poETes: Altas Habilidades com Poesia", "1001 Poetas", "Fotoescritos do Confinamento" e recebeu menção honrosa pelo ensaio Desígnio de um corpo, na 4ª edição do projeto Tem Livro Bolando na Mesa. Filipe possui aperfeiçoamento em Altas Habilidades ou Superdotação: Identificação e Atendimento Educacional Especializado pela UFPel e em Serviço de Atendimento Educacional Especializado pela UFSM (2022).
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2 Responses to Relato Pessoal: Everton dos Santos Borges

  1. Avatar de Luiz José de Luiz José de disse:

    Que lindo o seu testemunho é imagino o quanto está feliz por saber da sua neuro divergência, com certeza é um alívio para o senhor pois, encontrou respostas que até então não tinha. E que em Deus encontrou forças para vencer os desafios que apareceram e que agora tudo se tornará mais simples. Que Deus e a Virgem Maria continuem acompanhando, abençoando e protegendo em sua jornada. Forte abraço.

  2. Avatar de Débora F.S Santos Débora F.S Santos disse:

    Superdotada e evangélica aqui. Esse relato me afetou mais que os outros, vejo um estigma social de que o inteligente e o religioso não andam juntos, na escola meus professores ficavam surpresos ao saber que eu era cristã: “nunca imaginaria, parece muito inteligente pra isso” me disse a professora de química uma vez. Eu discordo plenamente, acredito que Deus me deu uma cabeça diferente justamente para entender coisas diferentes sobre Ele e me deu capacidade pra suportar essa mente que muitas vezes se põe como um desafio ao invés de um auxílio, não reclamo, todos tem seus problemas, mas como disse em seu relato “Deus me ensinou a suportar” e isso realmente faz toda a diferença. Me identifiquei muito com seu texto, apesar de ter o laudo nunca me enxerguei no quadro da AH/SD, não até me interessar de verdade em entender isso.

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