Falar sobre mim sempre foi difícil demais. Acho mais fácil escrever devaneios sob a condição humana no universo do que falar sobre quem eu sou. Talvez por conta disso eu tenha adotado desde cedo como lema pessoal a frase “Eu sou mil possíveis em mim, portanto não posso me resignar a querer ser apenas um só” de Roger Bastide. Então, deixarei que a história se revele.
Quem primeiro me levantou a hipótese de superdotação foi minha esposa. Ela é professora e convive com alunos de condições diversas. E, além disso, o fato dela estar entre as pessoas mais importantes da minha vida me fez considerar essa hipótese como verdadeira. Na época eu sofria demais com insônia – e ainda sofro – eu deitava mas não sentia sono algum, pois na minha cabeça estavam passando ideias sobre jogos, músicas, poemas, desenhos, contos… Isso estava atrapalhando minha saúde e até a rotina de casa.
Um dia, numa conversa no intervalo de almoço do meu trabalho, com o ar de Brasília bastante seco e céu sem nuvens, ela me perguntou se eu já havia sido diagnosticado como AH/SD. Eu nunca olhara para mim desse jeito. Sempre repeti a mim mesmo que eu não era diferente dos outros, que todos tínhamos a mesma capacidade de aprendizagem e cognição. Mas os fatores que ela foi me apontando começaram a fazer sentido: auto-didata em quase tudo, correlacionar ideias incomuns, fixação em detalhes que passam despercebidos por muitos etc.
Procurei sessões de hipnoterapia. Eu só queria dormir direito e me sentir em paz. Eu não sabia se eu seria suscetível a hipnose ou não, mas arrisquei. A experiência foi interessante, porém ainda que eu conseguisse entrar no transe com facilidade eu também não conseguia reter o transe e me distraia facilmente com ideias aleatorias. Lembro de uma sessão que fiquei querendo compor um solo por sobre uma outra música que eu escutava ao fundo do consultório. Anos mais tarde a terapeuta disse que eu fui um dos pacientes mais difíceis. Mas não desisti da busca, sabia que na psicoterapia eu encontraria o caminho para melhor lidar comigo mesmo.
A busca continuou. Eu tinha que acabar com essa insônia e tentar ter um ciclo circadiano normal. Eu já convivia com essa falta de sono desde a adolescência. Perdi a conta de quantas alvoradas observei da janela do meu quarto no nono andar de um edifício em Belém do Pará. E o que falar das noites que passei sozinho, quando mudei para Brasília, no meu apartamento tocando violão ou escrevendo por várias noites seguidas? Devo ter perturbado demais meus vizinhos. Mas o preço foi alto. Dormir apenas 4h por semana não é nada divertido. Desenvolvi inflamações musculares sérias que me impediram de me movimentar direito. Mas um músculo dolorido não me define e ainda consegui desenvolver um jogo mobile nesse período. Uma vez tratadas as inflamações, procurei exames de polissonografia e minhas hipóteses se confirmaram. Depois de uma noite dormindo na clínica, os aparelhos detectaram que eu não tinha o sono reparador, que nas poucas horas que adormeci já caí direto no sono mais profundo. Tratar com anti-depressivos não deu certo. O que melhor funcionou para mim foi reposição hormonal de melatonina. E mais uma vez recebi recomendação de psicoterapia.
Sem saber para onde correr comecei a procurar por grupos online que tivessem dores parecidas. Assim, meio por acaso, encontrei uma comunidade e fui convidado pra um grupo de whatsapp bastante acolhedor e onde pude me sentir em casa. Foi aí que recebi uma boa recomendação de uma terapeuta que tem me acompanhado desde então e me ajudado nessa caminhada de auto-conhecimento.
Sete meses após acompanhamento psicológico, reconheci que realmente me faltava a habilidade de focar mais em mim mesmo, de aceitar minhas potencialidades e explorá-las. Hoje, sigo aprendendo a não me limitar mais pelas expectativas alheias; buscando superar processos de auto-sabotagem; e de conhecer mais sobre um Eu que ainda me era misterioso.