Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Luciano Brígida: Só fui conhecer essa minha face na idade adulta. Minha esposa foi quem identificou tais características e me incentivou a procurar acompanhamento profissional para que eu possa aprender melhor a lidar com as assincronias e ansiedades que me incomodavam e eu não tinha consciência disso.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Luciano: Fui avaliado com altas habilidades nas áreas acadêmico-intelectual (área linguística e lógico-matemática), em artes e em liderança. Não sei. Posso descrever minhas áreas de interesse e habilidades potenciais. Gosto de programação, que é meu trabalho principal, e estudo Machine Learning para me qualificar mais profissionalmente; Faço música sempre que posso e comecei a publicar algumas coisas de autoria própria; Mexo com audiovisual por hobby, seja na edição de vídeos ou de imagens, produzindo ilustrações vetoriais e produção e edição de músicas também; Gosto de escrever poemas e estou me aventurando na produção de narrativas romanceadas; Gosto de ler, escutar podcasts e conversar sobre astronomia; Mergulho em jogos eletrônicos sob vários aspectos, até já transitei em projetos de desenvolvimento de jogos; No aspecto religioso, sou do tipo que busca compreender os significados e histórico dos ensinamentos para poder melhor pô-los em prática;
SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?
Luciano: Não passei ainda pela identificação formal. Minha psicóloga já me indicou pois de fato parece ser a hipótese mais adequada ao meu perfil. Não tenho dados suficientes sobre acessibilidade do serviço a diferentes camadas da população. Minha visão empírica me diz que há um desconhecimento sobre a importância do processo de avaliação e até mesmo sobre o que é uma pessoa com altas habilidades.
SM: Durante a sua formação acadêmica você pousou na licenciatura em música, correto? Conte-nos um pouco da sua relação passada e atual com a música.
Luciano: Minha relação com a música começa desde muito muito cedo. Tenho memórias da primeira infância de quando ficava prestando atenção nas músicas da igreja, imitando os músicos com os instrumentos, às vezes querendo dançar e sendo reprimido pela família por isso. Comecei a tocar violão por volta dos 14 anos. A partir daí, a paixão se enraizou. Não me via e não me vejo mais sem a Música. Hoje diminui meus estudos dos compositores eruditos e me concentro mais nas músicas que divertem a mim, minha família e amigos; seja Toquinho, Mundo Bita, Bruno e Marrone ou Falcão, se traz alegria e emociona as pessoas é o que toco.
SM: Você é jornalista de formação, quais foram as contribuições mais pungentes do jornalismo na sua vida e carreira?
Luciano: Como amante da escrita e leitura, fui atraído para a faculdade de Comunicação Social. O ambiente acadêmico me proporcionou acesso a conhecimentos que até hoje embasam muitas das minhas visões de mundo. Disciplinas como Semiótica, Estatística, Psicologia, Sociologia, História, Direito tiveram forte impacto em mim. Mas não lembro de ter passado por uma disciplina sequer sem questionar o professor quanto a algum tema específico. Sempre fui crítico. Critico, principalmente, o foco no fazer técnico que a universidade dava ao invés de fortalecer a produção acadêmica e pesquisas científicas de impacto duradouro. Foi na faculdade também, que aprendi a aceitar o meu espírito de liderança. Sempre passara a vida introspectivo, observando e anotando histórias; evitando o protagonismo direto. Mas na faculdade eu fui quase que empurrado a ser representante de turma no meio do curso. E, tendo começado a vida profissional concomitantemente, parti para o empreendedorismo e conheci um lado mais extrovertido de minha persona. Classifico como ápice a apresentação do meu Trabalho de Conclusão de Curso, quando fui na contramão do senso comum de não convidar amigos para assistir à apresentação e chamei logo toda a comunidade de Blogueiros Paraenses num evento que precisou ser televisionado no auditório da Universidade ao invés de ficar restrito a uma sala de aula com meia dúzia de pessoas.
SM: Conte-nos como você começou a se envolver com programação, a transparência hacker e encontros de desenvolvedores.
Luciano: Meu TCC se chama Blogs e o Jornalismo Cidadão. Uma pesquisa analisando o discurso empregado por blogs versus outros canais na cobertura do Fórum Social Mundial que ocorrera em Belém naquela época. Para melhor compreender o fenômeno dos blogs me dispus a escrever em vários blogs temáticos para estudar e conhecer a prática. Aos poucos fui querendo melhorar meu blog com ideias que demandaram que eu aprendesse programar pra web. Me identifiquei bastante com o raciocínio abstrato necessário para a prática de programação e segui me aprofundando, por conta própria, em linguagens diferentes, técnicas diferentes e vários outros conceitos tangentes. Somei tudo com a visão de comunicação para montar uma empresa de marketing digital. Durante um trabalho num evento de empreendedorismo, conheci um palestrante de São Paulo, com uma cabeça meio acelerada e vanguardista; logo fomos tomar umas cervejas depois do evento e assim fui apresentado à Transparência Hacker, grupo de hackers focados em promover transparência de dados governamentais. A amizade e projetos desenvolvidos junto a esta turma, me levou a sair de Belém para morar em São Paulo e posteriormente, Brasília, onde também ajudei a constituir comunidade de Python local, o PyDataBSB.
SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Luciano: Passei por 3 psicólogos antes de encontrar uma profissional com conhecimento especializado em AH/SD com quem me identifiquei e sigo até hoje. Nenhum processo terapêutico é fácil e milagroso. O auto-conhecimento pode ser até doloroso às vezes, mas é necessário para o longo prazo. Me sinto caminhando a passos curtos para um estado onde saberei aprender a lidar melhor com sentimentos negativos, eliminar preconceitos sobre mim e outros e evoluir na inteligência emocional também.
SM: A insônia o assombra há anos, como e quando isso começou? Como a sociedade encara e trata os insones?
Luciano: A insônia me acompanha desde a adolescência. Na idade adulta foi piorando. Minha hipótese é que tem relação com ansiedade em querer produzir muitas coisas o mais rápido possível. Existem muitos mitos sobre sono, tanto que o reconhecimento de diferentes ciclos circadianos só veio à tona recentemente. Respeitar o ritmo de sono é essencial para a saúde.
SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Luciano: Não buscamos nenhum acompanhamento psicopedagógico.
SM: Algum lema motivacional?
Luciano: “Sou mil possibilidades em mim. Não posso me resignar a querer ser apenas um só” Roger Bastide.
SM: Além de tudo isso você ainda é poeta! Qual seu gênero, escritora(o) e obra favoritos da literatura nacional?
Luciano: Há muitos talentos no Brasil que admiro por motivos diversos, contudo alguns nos impactam tanto que chegamos a os imitar em certo grau. Os autores que, conscientemente, me influenciaram são: Luis Fernando Veríssimo, pela sua versatilidade e complexidade na simplicidade; Vinicius de Moraes, pela música e pela poesia; Machado de Assis, pela ousadia na narrativa; JM Trevisan, um dos autores do RPG Tormenta, jogo que fortaleceu minha paixão por contação de histórias.
SM: O que é ser um pai e esposo superdotado?
Luciano: Essa minha característica apresenta certos desafios, mas tenho certeza que com a psicoterapia o impacto desses conflitos vai diminuir. Minha filha tem indicativos de altas habilidades também, por isso acho ainda mais importante que eu passe por um processo de auto-conhecimento, afinal preciso aprender a orientá-la caso ela enfrente dificuldades similares as que passei.
SM: Algum recado pra galera?
Luciano: Permita-se a curiosidade. Seja sempre cético. Aceite o infinito entre o 0 e o 1. Existe um provérbio latino, cuja origem desconheço que diz: “Ubi dubium ibi libertas”, “Onde há dúvida há liberdade”. Um espírito livre precisa ser curioso e se permitir explorar além do que se vê. O lema da Royal Society de Londres é “Nullius in Verba”, “Nas palavras de ninguém”, que conclama a resistir à dominação por qualquer autoridade e só aceitar afirmações verificáveis por experimentação. Na liberdade da própria curiosidade você vai conseguir enxergar além do binarismo perverso perpetuado na sociedade e poder admirar a beleza assustadora do infinito.