Comorbidades: Shutdown, Meltdown & Burnout

shutdown

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Shutdown, por um lado, pode significar um comando do Prompt em alguns sistemas operacionais capaz de encerrar a seção atual do Sistema. Já a nível psicológico trata-se de um excesso cognitivo-sensorial onde a carga de estímulos atinge um ápice improcessável e inadministrável, coagindo o afligido a resguardar-se em silêncio e escuridão numa tentativa de diminuir os inputs; caso o mesmo não prossiga com tais medidas a tempo ainda corre-se o risco do quadro evoluir para um meltdown ou burnout, com a ocasional tentativa de suicídio. Tal fenômeno não ocorre de imediato, apesar de haver gatilhos finais para sua manifestação, em geral o estado se origina cumulativamente ao longo dos dias, semanas ou meses onde o estresse cresce a uma taxa maior do que a de sua diluição. O dano emocional e o estigma social muitas vezes apenas acentuam a gravidade do ocorrido marginalizando ainda mais o neurodiverso que não raro sofre shutdowns com uma certa freqüência avassaladora.

meltdown

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Em contrapartida, o Meltdown não se carateriza pela necessidade violenta de isolamento e sim por uma canalização desgovernada da energia gerada, muitas vezes pelo fenômeno prévio e correlato, mas não necessariamente, pois cada indivíduo tende mais a um comportamento de resposta em específico ao invés de vários. Assim como um meltdown nuclear, em termos informais, significa um acidente severo num reator que resulta em dano central por superaquecimento, no âmbito psicológico este segundo termo apresentado configura-se a partir da desestruturação momentânea do padrão comportamental, já que o indivíduo não consegue desenvolver a tempo o instrumental necessário para lidar com as adversidades cumulativas apresentadas pelo meio. A estrutura cognitiva coordenadora das atividades diárias perde seus protocolos governantes e o afetado age erraticamente tentando resolver seus problemas na base da violência e excesso como uma chamada desesperada a um recurso primitivo a muito soterrado por nosso processo civilizatório. Como dito previamente este fenômeno afeta mais alguns neurodiversos do que outros, baseado sempre nas peculiaridades de cada um.

burnout

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Volta-e-meia entre um Shutdown e um Meltdown pode ocorrer ainda o Burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso associado à vida profissional ou às realizações pessoais tendo assim um caráter intimista profundamente ligado à filosofia pessoal de cada um. O portador de Burnout mede a auto-estima pela capacidade de realização e sucesso, subordinando suas necessidades e bem-estar ao seu modelo avaliativo de performance; quando então não consegue mais atingir ou corresponder as suas próprias metas herculianas o afligido sofre forte desgaste físico, gerando fadiga e exaustão com duração de até meses. Não raro tanto ocorre quando alguém finaliza algum grande projeto, onde a adrenalina e o propósito do mesmo diariamente compeliam o indivíduo a exigir cada vez mais de si para que o sonho se consumasse em realidade, uma vez materializado o produtor se vê diluído numa profunda apatia como se a vida perdesse o propósito e assim abandona as atividades, entrega-se a um vazio incomensurável e visceralmente vinculado à questões existências de cunho filosófico. Por outro lado às vezes o Burnout vêm pela falta de reconhecimento social dos seus méritos pelos demais, sentindo então que todo o esforço escorreu ralo abaixo, pois ou todos entenderam e não deram a mínima consideração ou ninguém entendeu e não fazem a mínima questão de entender, de qualquer forma uma tragédia pessoal, certo? Bem, ao menos social… ou da sociedade mesmo, a qual exige tudo e não dá nada, a mesma que nos afaga os cabelos apenas quando oferecemos algum espetáculo digno de seu sadismo.

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Sobre Filipe Russo

Filipe Russo é indígena agênere da Associação Multiétnica Wyka Kwara, autore dos romances premiados Caro Jovem Adulto (2012; 2022) e Asfixia (2014), assim como vencedore do concurso artístico O Olhar em Tempos de Quarentena (2020) e de prêmios de excelência acadêmica em Inteligência Artificial, Psicologia, Gamificação, Empatia e Computação Afetiva (2021). Especialista em computação aplicada à educação pelo ICMC-USP (2022), licenciade em matemática pelo IME-USP (2020). Fundadore e editore do website SupereficienteMental.com (2013-), blog com mais de 180 publicações, dentre relatos pessoais, ensaios e entrevistas, sobre neurodiversidade e superdotação ou altas habilidades. Pesquisadore no grupo de estudos TransObjeto associado à PUC-SP e no grupo de pesquisa MatematiQueer associada à UFRJ. Coautore nas antologias poéticas Poesia Política: vote, Outros 500: Não queremos mais o quinhentismo, poETes: altas habilidades com poesia, Fotoescritos do Confinamento e recebeu menção honrosa pelo ensaio Desígnio de um corpo, na 4º edição do projeto Tem Livro Bolando na Mesa. Filipe possui aperfeiçoamento em Altas Habilidades ou Superdotação: Identificação e Atendimento Educacional Especializado pela UFPel e em Serviço de Atendimento Educacional Especializado pela UFSM (2022).
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Uma resposta para Comorbidades: Shutdown, Meltdown & Burnout

  1. Giovanne Afonso disse:

    Descobri sobre a existencia da síndrome de burnout recentemente, eu sempre fui depressivo e meio isolado, mas depois que comecei a trabalhar nessa empresa que estou atualmente, eu me esforcei muito muito muito muito, até que ano passado (2014) o dono da empresa disse que eu era o melhor funcionário do ano. Isso me deixou feliz e adivinha? Passei a me esforçar ainda mais. Mas com o tempo eu fui me desgastando e meu rendimento começou a cair, eu fiquei um tanto quanto desesperado quando me vi em frente ao meu notebook com – literalmente – milhares de linhas de código pra digitar e simplesmente sem conseguir… Com a pressão só aumentando e eu só piorando, procurei auxílio psiquiátrico em um centro de tratamento aqui perto, a psiquiatra me diagnosticou com: depressão; transtorno de ansiedade; e crises disfuncionais, mas tive que parar o tratamento porque eles exigiam que alguma pessoa fosse comigo e me acompanhasse. Como sintoma próprio da síndrome, eu sou uma pessoa isolada ao extremo, o que impossibilitou que alguém fosse comigo, vi-me sem ninguém e meio perdido, então decidi mudar em 2015, comecei a recuperar amizades, sair mais de casa, consequentemente meu rendimento aumentou novamente, mas ainda tenho “recaídas”, onde apenas quero fazer o meu trabalho. Por exemplo, essa semana trabalhei a noite todos os dias, até mesmo com o curso e a faculdade semi-presencial que estou fazendo, eu me esforço excessivamente pelo meu trabalho, antes isso era bom pra minha vida profissional, agora não mais, mas é o meu vício. Agora vou ficar de férias, mas deixei-me a disposição deles caso precisem (e vão precisar) e vou usar o tempo das minhas férias pra pôr dois projetos pessoais em prática. Burnout tem seu lado muito bom e o muito ruim, eu entendo os dois e agora estou buscando um equilíbrio. Ótimo artigo 🙂

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