“A insônia é a vingança da mente por todos os pensamentos que evitamos durante o dia”, já dizia Alain de Botton, entretanto tal aforisma se refere mais ao aspecto neurótico com um quê filosófico existencialista do que a qualquer outro participante do fenômeno. A insônia não raro afeta neurotípicos e em superdotados há uma tendência maior e mais precoce à ocorrência desta comorbidade, comigo por exemplo, eu comecei a experienciar a mesma na quinta série aos 11 anos: eu simplesmente não conseguia mais dormir. Desde sempre eu participei em inúmeras atividades curriculares e extra-curriculares de manhã e à tarde, ficando a noite reservada para lição de casa e diversão. De uma hora para outra as descargas hormonais da pré-adolescência ativaram esse ladinho do meu cérebro que eu ainda não conhecia e com o qual dialogaria durantes anos e mais anos até assumir domínio eficaz sobre suas capacidades e comorbidades.
Eu jantava às 21:40hrs e me retirava para o meu quarto ora para terminar um afazer escolar, ora para jogar uma horinha de vídeo-game, às 23:00hrs eu já havia escovado os dentes, arrumado a mochila para a aula da manhã seguinte e me encontrava de olhos fechados sob as cobertas em posição fetal esperando o costumeiro sono chegar; e não chegava. Após uma a duas horas me virando de um lado para o outro da cama eu simplesmente desistia, descia as escadas para beber um copo de água, voltava para o quarto, ligava a televisão e ficava assistindo a desenhos animados, filmes e documentários. Lá pelas 3, 4 horas da madrugada eu conseguia enfim adormecer por exaustão e o dia seguinte simplesmente não rendia pelo cansaço e mau humor desencadeados. Já outras noites eu me masturbava para dormir, no começo o relaxamento vinha de modo imediato, mas com o passar dos dias os efeitos foram ficando mais suaves até que então nem me masturbando bastante e gozando várias vezes eu conseguia atingir o efeito desejado.
Nestas noites insones eu comecei a pensar na vida, não que nas outras eu não pensasse, sempre pensei muito nas questões ao meu redor, pensar é minha brincadeira e ofício favoritos desde sempre, mas bem antigamente o sono impedia meu raciocínio de adentrar as profundezas inerentes à condição humana e social. Eu não entendia à época que a insônia era a segunda manifestação de uma insatisfação primária, a mesma desencadeadora do tédio, minha sensação mais comum desde a infância. Reside em mim uma energia que nada nem ninguém consegue conter, mas com muito esforço e dedicação eu consigo convertê-la. Ora em horas e mais horas de estudos em nanociência, ciências forenses, anatomia e bioquímica de extremófilos, história das ervas daninhas, da micofilia, da relação humanos-plantas e da humanos-animais; ora produzindo arte na forma de literatura (dois livros publicados), fotografia, design gráfico (duas fontes tipográficas originais). Se eu não der vazão ao meu impulso criativo, toda essa energia represada me deteriora e eu nem sempre soube dizer isso com estes termos de entendimento, tudo era mais confuso, intuitivo e assolador. Desde então minha insônia diminuiu consideravelmente, mas mesmo assim ainda fico com insônia sempre que vou viajar, conhecer alguém novo ou começar um novo emprego ou um novo curso seja universitário, seja livre.
Muito bom Felipe, adorei seu artigo!