
Daniele Pendeza
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Daniele Pendeza: Eu sempre me senti um pouco diferente das outras crianças, especialmente nos primeiros anos da minha escolarização. Eu tinha mais facilidade na escola, raciocínio mais rápido e muito fiquei de castigo por falar “o que não deveria”. Encontrei explicações para as coisas que me ocorriam, muitas vezes sendo preconceituosa, achando que os outros que eram burros, que não aprendiam ou não eram melhores porque não queriam. Já na idade adulta passei por uma primeira avaliação e não acreditei no resultado, mas isso sempre ficou em segundo plano nos meus pensamentos, até que escolhi uma outra profissional para refazer os testes e obtive o mesmo resultado. Essa segunda profissional era psicóloga e colaborou no meu processo de aceitação através de sessões de psicoterapia.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Daniele: Tenho mescla entre os perfis intelectual e acadêmico, com altas habilidades nas áreas naturalista, linguística, musical e intrapessoal.
SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?
Daniele: Minha avaliação aconteceu sem querer. Uma colega de trabalho me falou sobre um grupo de pesquisa na universidade onde eu fazia mestrado, que trabalhava com identificação de AH/SD, e me convidou para participar. Eu adoro fazer testes e colaborar em pesquisas, então fui por curiosidade, mas com certeza de que não seria identificada. Não aceitei bem e apenas 5 anos depois resolvi realizar uma segunda testagem, onde o primeiro resultado foi confirmado.
SM: Qual adaptação ou suporte pedagógico você gostaria de ter vivenciado no período escolar? E no período universitário?
Daniele: Eu consegui enriquecer meu currículo por conta própria, mas certamente os locais onde estudei colaboraram por propiciar oficinas extracurriculares e ótimas bibliotecas para todos os alunos e alunas. Tive muita sorte nesse ponto, pois se tivesse ficado apenas com as matérias básicas, a escola e a universidade teriam sido chatas. O que acredito que teria sido bom, era ter recebido avanço nas primeiras séries do Ensino Fundamental, tendo em vista que eu dominava os conteúdos, mas tive que cursar junto com pares de mesma idade.
SM: Você acredita que o seu comportamento superdotado na escola pudesse ser gatilho para comportamentos de bullying por parte de alguns colegas?
Daniele: Sim, eu era vista como diferente e sofri bullying no Ensino Fundamental. Mas eu me defendia como podia e com certa frequência me metia em brigas (inclusive para defender outros colegas).
SM: Quantos/quais instrumentos você toca?
Daniele: Violão, ukulele, banjo, flauta doce, teclado, pandeiro e violino.
SM: Qual o seu gênero musical favorito e como você se relaciona com ele?
Daniele: Atualmente sou eclética, gosto de músicas/artistas que me passem algo, seja musical, seja nas letras… Eu sempre fui apaixonada por música erudita, especialmente Beethoven, Mendelssohn, Puccini e Verdi. Mas na minha playlist também tem Anitta, Calle 13, Legião Urbana, Pink, Rammstein, Adele e Slipknot.
SM: Qual o seu livro favorito?
Daniele: Pergunta tão difícil quanto escolher um gênero musical preferido! Eu gosto de ler de tudo, mas atualmente me interesso mais por livros que me ensinem algo, especialmente romances históricos. Literatura mais “leve”, eu gosto de Stephen King (terror) e Jane Austen (romances e diálogos ferinos).
SM: O Brasil mal conta com uma educação artística satisfatória nas escolas, muito menos com uma educação musical, com raras exceções tais como nos colégios militares. Quais benefícios formativos e pedagógicos você reconhece na educação com e/ou para a música?
Daniele: Nesse ponto eu também tive muita sorte de poder participar de oficinas de música na escola onde estudei. A música colabora com a plasticidade neuronal, aumentando a conectividade entre os hemisférios. Ela, por si só, não deixa ninguém mais inteligente, mas dá ferramentas para desenvolvermos a inteligência (não apenas a musical). A própria estética é algo que se constrói. Precisamos aprender a ouvir para ouvir plenamente. Sem uma educação musical de qualidade desde as primeiras etapas da vida, as pessoas são privadas de um prazer artístico muito rico e de um recurso lúdico para a melhora na plasticidade neuronal.
SM: O que é musicoterapia? Quais os seus benefícios, em especial para as pessoas neurodivergentes?
Daniele: Segundo a UBAM (União Brasileira das Associações de Musicoterapia), a Musicoterapia “é um campo de conhecimento que estuda os efeitos da música e da utilização de experiências musicais, resultantes do encontro entre o/a musicoterapeuta e as pessoas assistidas. A prática da Musicoterapia objetiva favorecer o aumento das possibilidades de existir e agir, seja no trabalho individual, com grupos, nas comunidades, organizações, instituições de saúde e sociedade, nos âmbitos da promoção, prevenção, reabilitação da saúde e de transformação de contextos sociais e comunitários; evitando dessa forma, que haja danos ou diminuição dos processos de desenvolvimento do potencial das pessoas e/ou comunidades.”
Resumindo, é o uso da música com finalidades terapêuticas, necessitando de profissional formado (a) na área. Não é só colocar uma playlist para a pessoa se acalmar ou ficar mais feliz. Ouvir música pode ser terapêutico, mas não é terapia.
Eu trabalho com bebês em intervenção precoce, autistas, crianças superdotadas (geralmente com dupla excepcionalidade) e algumas crianças com síndromes raras. Os benefícios envolvem a melhora na plasticidade neuronal, melhoras na comunicação, no desenvolvimento social e da brincadeira, na prontidão escolar, comportamentos adaptativos e autoconhecimento, controle de comportamentos desafiantes e na motricidade, dentre outros. É uma aliada lúdica e prazerosa para a estimulação do desenvolvimento infantil.
SM: De que formas seu transtorno do processamento sensorial somado às sobre-excitabilidades das suas AH/SD lhe causam estresse, desconforto e raiva?
Daniele: Esse tema é algo que me fez mudar meu foco em pesquisas, inclusive. Eu percebo muitas semelhanças nas duas questões e ainda não sei o quanto elas se sobrepõem e têm traços em comum. O que sei nesse momento é que identificar o TPS e encontrar estratégias para não me sobrecarregar ao longo do dia a dia me ocasionou uma qualidade de vida imensa. Diminuiu dores físicas, como bruxismo, dor nas costas, dores de cabeça e uma eterna raiva de tudo que não dava certo. Assim fico mais calma, penso melhor e produzo mais. Muitas coisas me causavam mal e eu nem notava, como encostar em texturas na hora de cozinhar (coisas gordurosas ou carne crua), movimentos de pêndulo (enjoo só de olhar, ou em carro/ônibus). Atualmente, mesmo que tenha que lidar com algo que me incomoda, eu tenho estratégias de enfrentamento e sei dar o tempo que necessito para me reorganizar.
SM: Da onde surgiu a ideia de editar uma revista científica? E por que sobre neurodiversidade como tema transversal?
Daniele: Eu amo pesquisa, mas não me adapto totalmente ao sistema de publicação e luta pelo Qualis que existe no nosso país. Também sentia falta de um espaço que falasse sobre neurodiversidade, algo mais focado. Um dia pensei: por que não fazer uma revista independente? Eu tinha alguma experiência tanto para fazer um site quanto para montar as diretrizes e regras da revista. Um amigo que trabalha com marketing me presenteou com a logo, organizei tudo e contatei o Lucas Pontes para me ajudar, para dividir esse trabalho mais técnico de receber artigos e conferir se tudo estava dentro do esperado, ele também tem ótimo conhecimento de redes sociais e colabora tremendamente na divulgação. Eu tinha vários contatos que aceitaram serem os primeiros (as) pareceristas e em poucos dias a revista nasceu!
SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Daniele: Sobre meus familiares, eu não saberia precisar. No momento eu não faço acompanhamento, mas sempre que necessito de suporte, eu sei a quem recorrer, faço algumas sessões. Nesse momento não tenho nada crítico a ser trabalhado, então geralmente são questões pontuais.
SM: Algum lema motivacional?
Daniele: Eu gostava dessa frase: tudo que merece ser feito, merece que se faça bem feito.
Acho que é muito conectado ao meu perfeccionismo, mas agora eu tento ter mais leveza e aproveitar mais as coisas, seja o processo, sejam os resultados.
SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Daniele: Não, nunca ninguém utilizou (que eu saiba).
SM: Algum recado pra galera?
Daniele: O autoconhecimento é algo incrível. O processo pode ser doloroso, aceitar-se como diferente, com suas habilidades e limitações é tão difícil quanto libertador. Eu espero que todas as pessoas possam, em algum momento de suas vidas, passar por um processo de terapia, de autoconhecimento e que possam desenvolver todo seu potencial, independente de quaisquer diagnósticos.