Entrevista: Daniele Pendeza

Daniele Pendeza

Daniele Pendeza

Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.

Daniele Pendeza: Eu sempre me senti um pouco diferente das outras crianças, especialmente nos primeiros anos da minha escolarização. Eu tinha mais facilidade na escola, raciocínio mais rápido e muito fiquei de castigo por falar “o que não deveria”. Encontrei explicações para as coisas que me ocorriam, muitas vezes sendo preconceituosa, achando que os outros que eram burros, que não aprendiam ou não eram melhores porque não queriam. Já na idade adulta passei por uma primeira avaliação e não acreditei no resultado, mas isso sempre ficou em segundo plano nos meus pensamentos, até que escolhi uma outra profissional para refazer os testes e obtive o mesmo resultado. Essa segunda profissional era psicóloga e colaborou no meu processo de aceitação através de sessões de psicoterapia.

SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?

Daniele: Tenho mescla entre os perfis intelectual e acadêmico, com altas habilidades nas áreas naturalista, linguística, musical e intrapessoal.

SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?

Daniele: Minha avaliação aconteceu sem querer. Uma colega de trabalho me falou sobre um grupo de pesquisa na universidade onde eu fazia mestrado, que trabalhava com identificação de AH/SD, e me convidou para participar. Eu adoro fazer testes e colaborar em pesquisas, então fui por curiosidade, mas com certeza de que não seria identificada. Não aceitei bem e apenas 5 anos depois resolvi realizar uma segunda testagem, onde o primeiro resultado foi confirmado.

SM: Qual adaptação ou suporte pedagógico você gostaria de ter vivenciado no período escolar? E no período universitário?

Daniele: Eu consegui enriquecer meu currículo por conta própria, mas certamente os locais onde estudei colaboraram por propiciar oficinas extracurriculares e ótimas bibliotecas para todos os alunos e alunas. Tive muita sorte nesse ponto, pois se tivesse ficado apenas com as matérias básicas, a escola e a universidade teriam sido chatas. O que acredito que teria sido bom, era ter recebido avanço nas primeiras séries do Ensino Fundamental, tendo em vista que eu dominava os conteúdos, mas tive que cursar junto com pares de mesma idade.

SM: Você acredita que o seu comportamento superdotado na escola pudesse ser gatilho para comportamentos de bullying por parte de alguns colegas?

Daniele: Sim, eu era vista como diferente e sofri bullying no Ensino Fundamental. Mas eu me defendia como podia e com certa frequência me metia em brigas (inclusive para defender outros colegas).

SM: Quantos/quais instrumentos você toca?

Daniele: Violão, ukulele, banjo, flauta doce, teclado, pandeiro e violino.

SM: Qual o seu gênero musical favorito e como você se relaciona com ele?

Daniele: Atualmente sou eclética, gosto de músicas/artistas que me passem algo, seja musical, seja nas letras… Eu sempre fui apaixonada por música erudita, especialmente Beethoven, Mendelssohn, Puccini e Verdi. Mas na minha playlist também tem Anitta, Calle 13, Legião Urbana, Pink, Rammstein, Adele e Slipknot.

SM: Qual o seu livro favorito?

Daniele: Pergunta tão difícil quanto escolher um gênero musical preferido! Eu gosto de ler de tudo, mas atualmente me interesso mais por livros que me ensinem algo, especialmente romances históricos. Literatura mais “leve”, eu gosto de Stephen King (terror) e Jane Austen (romances e diálogos ferinos).

SM: O Brasil mal conta com uma educação artística satisfatória nas escolas, muito menos com uma educação musical, com raras exceções tais como nos colégios militares. Quais benefícios formativos e pedagógicos você reconhece na educação com e/ou para a música?

Daniele: Nesse ponto eu também tive muita sorte de poder participar de oficinas de música na escola onde estudei. A música colabora com a plasticidade neuronal, aumentando a conectividade entre os hemisférios. Ela, por si só, não deixa ninguém mais inteligente, mas dá ferramentas para desenvolvermos a inteligência (não apenas a musical). A própria estética é algo que se constrói. Precisamos aprender a ouvir para ouvir plenamente. Sem uma educação musical de qualidade desde as primeiras etapas da vida, as pessoas são privadas de um prazer artístico muito rico e de um recurso lúdico para a melhora na plasticidade neuronal.

SM: O que é musicoterapia? Quais os seus benefícios, em especial para as pessoas neurodivergentes?

Daniele: Segundo a UBAM (União Brasileira das Associações de Musicoterapia), a Musicoterapia “é um campo de conhecimento que estuda os efeitos da música e da utilização de experiências musicais, resultantes do encontro entre o/a musicoterapeuta e as pessoas assistidas. A prática da Musicoterapia objetiva favorecer o aumento das possibilidades de existir e agir, seja no trabalho individual, com grupos, nas comunidades, organizações, instituições de saúde e sociedade, nos âmbitos da promoção, prevenção, reabilitação da saúde e de transformação de contextos sociais e comunitários; evitando dessa forma, que haja danos ou diminuição dos processos de desenvolvimento do potencial das pessoas e/ou comunidades.”
Resumindo, é o uso da música com finalidades terapêuticas, necessitando de profissional formado (a) na área. Não é só colocar uma playlist para a pessoa se acalmar ou ficar mais feliz. Ouvir música pode ser terapêutico, mas não é terapia.
Eu trabalho com bebês em intervenção precoce, autistas, crianças superdotadas (geralmente com dupla excepcionalidade) e algumas crianças com síndromes raras. Os benefícios envolvem a melhora na plasticidade neuronal, melhoras na comunicação, no desenvolvimento social e da brincadeira, na prontidão escolar, comportamentos adaptativos e autoconhecimento, controle de comportamentos desafiantes e na motricidade, dentre outros. É uma aliada lúdica e prazerosa para a estimulação do desenvolvimento infantil.

SM: De que formas seu transtorno do processamento sensorial somado às sobre-excitabilidades das suas AH/SD lhe causam estresse, desconforto e raiva?

Daniele: Esse tema é algo que me fez mudar meu foco em pesquisas, inclusive. Eu percebo muitas semelhanças nas duas questões e ainda não sei o quanto elas se sobrepõem e têm traços em comum. O que sei nesse momento é que identificar o TPS e encontrar estratégias para não me sobrecarregar ao longo do dia a dia me ocasionou uma qualidade de vida imensa. Diminuiu dores físicas, como bruxismo, dor nas costas, dores de cabeça e uma eterna raiva de tudo que não dava certo. Assim fico mais calma, penso melhor e produzo mais. Muitas coisas me causavam mal e eu nem notava, como encostar em texturas na hora de cozinhar (coisas gordurosas ou carne crua), movimentos de pêndulo (enjoo só de olhar, ou em carro/ônibus). Atualmente, mesmo que tenha que lidar com algo que me incomoda, eu tenho estratégias de enfrentamento e sei dar o tempo que necessito para me reorganizar.

SM: Da onde surgiu a ideia de editar uma revista científica? E por que sobre neurodiversidade como tema transversal?

Daniele: Eu amo pesquisa, mas não me adapto totalmente ao sistema de publicação e luta pelo Qualis que existe no nosso país. Também sentia falta de um espaço que falasse sobre neurodiversidade, algo mais focado. Um dia pensei: por que não fazer uma revista independente? Eu tinha alguma experiência tanto para fazer um site quanto para montar as diretrizes e regras da revista. Um amigo que trabalha com marketing me presenteou com a logo, organizei tudo e contatei o Lucas Pontes para me ajudar, para dividir esse trabalho mais técnico de receber artigos e conferir se tudo estava dentro do esperado, ele também tem ótimo conhecimento de redes sociais e colabora tremendamente na divulgação. Eu tinha vários contatos que aceitaram serem os primeiros (as) pareceristas e em poucos dias a revista nasceu!

SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.

Daniele: Sobre meus familiares, eu não saberia precisar. No momento eu não faço acompanhamento, mas sempre que necessito de suporte, eu sei a quem recorrer, faço algumas sessões. Nesse momento não tenho nada crítico a ser trabalhado, então geralmente são questões pontuais.

SM: Algum lema motivacional?

Daniele: Eu gostava dessa frase: tudo que merece ser feito, merece que se faça bem feito.
Acho que é muito conectado ao meu perfeccionismo, mas agora eu tento ter mais leveza e aproveitar mais as coisas, seja o processo, sejam os resultados.

SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.

Daniele: Não, nunca ninguém utilizou (que eu saiba).

SM: Algum recado pra galera?

Daniele: O autoconhecimento é algo incrível. O processo pode ser doloroso, aceitar-se como diferente, com suas habilidades e limitações é tão difícil quanto libertador. Eu espero que todas as pessoas possam, em algum momento de suas vidas, passar por um processo de terapia, de autoconhecimento e que possam desenvolver todo seu potencial, independente de quaisquer diagnósticos.

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10 Anos: Celebrando vidas superdotadas

Gráfico de barras sobre a visibilidade do blog Supereficiente Mental ao longo dos anos

Gráfico de barras sobre a visibilidade do blog Supereficiente Mental ao longo dos anos

Em janeiro de 2023 o blog Supereficiente Mental comemora 10 anos de existência, de promoção e apoio à neurodiversidade, às pautas neurodivergentes, com especial atenção à população superdotada em território lusófono.
Nesses 10 anos, foram realizadas 180 publicações, cerca de 18 publicações por ano, dentre ensaios, relatos pessoais e entrevistas, sendo estes dois últimos gêneros discursivos o foco principal do empreendimento ativista liderado por Filipe Russo.
Em 2022, o blog alcançou mais de 50.000 visualizações em um único ano, número que contabiliza mais de 100 visualizações por dia (ver gráfico). Esses números representam mais do que um crescimento de interesse nos temas neurodivergentes, mas também representam a expressão popular e documental de demandas sociais, muitas vezes invisibilizadas por questões políticas, ora institucionais, ora atitudinais.
É em ritmo de reivindicação do nosso espaço social e de celebração da nossa exuberância superdotada que comemoramos uma primeira década produtiva, criativa e crítica, de tantas outras que ainda estão por vir. Esta comemoração se dará ao longo do ano inteiro com publicações dedicadas a socializar os saberes divulgados, elaborados e registrados no blog Supereficiente Mental. Acompanhe as novidades pela categoria 10 Anos e pela tag ensaios comemorativos!

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Inteligências Múltiplas: Como desenvolvemos a inteligência musical?

Como desenvolvemos a inteligência musical?
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Altas Conversas Altas Habilidades: S2 E3 Compreendendo a Sobre-excitabilidade na Superdotação

Assistam ao podcast na íntegra pelo Spotify clicando aqui.

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Sobre-excitabilidades: Superdotação, Perguntas e Respostas

Superdotação e sobre-excitabilidade: perguntas e respostas

Referências

MIKA, Elisabeth. Gifted children, overexcitabilities, developmental asynchrony and positive disintegration: A preliminary clinical study. Disponível neste link.

MIKA, Elisabeth. Dąbrowski’s views on authentic mental health. In: MENDAGLIO, Sal (ed.). Dąbrowski’s Theory of Positive Disintegration. Scottdale: Great Potential Press, 2008, pp.139-153. Disponível neste link.

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Relato Pessoal: Amanda de Oliveira

Amanda de Oliveira

Amanda de Oliveira

Sou Amanda, tenho 37 anos e recebi minha identificação de pessoa com AHSD recentemente. Desde criança não me identifico com meus pares, tenho diversas sensibilidades e frequentemente na vida fui rotulada como do contra, revoltada e mal educada. Lembro com clareza de me sentir deslocada no ambiente escolar por não compartilhar dos mesmos gostos, desejos e princípios dos colegas. Tinha um desempenho escolar acima da média, mas não fui uma criança prodígio nem nada. Fazia amizades facilmente, mas elas não duravam pois meu comportamento destoava dos demais, o que me gerava desconforto e a constante sensação de que eu não cumpria o papel que era esperado de mim. Na adolescência meu rendimento escolar caiu drasticamente conforme minhas habilidades sociais “aumentavam”. Coloco entre aspas pois parecia positivo o fato de naquele momento eu participava de atividades com pares por vontade própria, mas hoje percebo o quanto isso me custou e acho que o saldo no final foi negativo. Minhas sensibilidades eram levadas ao limite todos os dias e em pouco tempo comecei a abusar do uso de álcool e drogas. Ao final do ensino médio aprendi de fato a estudar e já tinha clareza que o sistema escolar não servia para mim, nem para a grande maioria dos colegas. Na faculdade fui uma aluna mediana pois nas matérias que não eram do meu interesse eu tinha que mover uma montanha para conseguir me engajar. Ao passo que nas que eram do meu interesse eu ia excepcionalmente bem. Como exemplo cito o fato do meu trabalho de conclusão de curso ter sido publicado na revista latino americana mais prestigiada da área. Saindo da faculdade segui para o mestrado, porém, não gostei do curso e nunca cheguei a concluí-lo. Nessa época consegui o trabalho dos meus sonhos e em pouquíssimo tempo percebi que não seria possível seguir no mesmo também. Tanto pela demanda física, bem como a social, mas principalmente por perceber a corrupção absurda envolvida. Sempre me compadeci com injustiças e se há algo a ser feito que esteja ao meu alcance, eu preciso fazer. Isso me levou a trabalhar com resgate de fauna silvestre e na vida pessoal me dedicar ao resgate de animais domésticos. Aos 28 tive meu filho e sinto que este foi o momento que pude de fato começar a viver a vida que eu queria. Até aquele momento a vida parecia uma sequência de passos pré estabelecidos e eu nunca tinha motivos fortes o suficiente para desviar de caminho. Tenho uma vida bastante privilegiada e sempre tive opções, mas ao mesmo tempo tinha grande pressão para seguir a linha da vida padrão. Gostaria de salientar que a maternidade foi escolha minha (na medida do possível visto que nossos desejos são influenciados pelo entorno), até o ano anterior eu abominava a possibilidade de ser mãe e no momento que quis ser, engravidei e pari. Ironicamente, ao finalmente ter cumprido o papel social que era esperado de mim, pude ter mais clareza da realidade que me cerca. A vida inteira nós mulheres somos oprimidas mas quando viramos mãe a opressão vem em dobro. A partir daí comecei a estudar sobre comportamento e desenvolvimento humano, o que foi crucial para meu autoconhecimento. A pressão social para andar em bando diminuiu e pude de fato socializar na medida que me era confortável. Conforme meu filho foi crescendo, também foi crescente a percepção do quão destoante é o meu comportamento, bem como do meu companheiro e do nosso filho. Quando surgiu a suspeita do pequeno ser TDAH, me debrucei sobre o estudo das neurodivergências e logo ficou claro que somos todos atípicos. Hoje percebo que o meu nível de comprometimento, bem como minha função executiva, são bastante acima da média. Não consigo ter conversas superficiais em nenhuma situação, minha necessidade de aprofundar sobre absolutamente tudo e minha rigidez de pensamento tornam a socialização bastante desafiadora. Tenho uma série de hipersensibilidades sensoriais e para não me sobrecarregar diariamente preciso de diversas ferramentas. Não entendo a maioria dos rituais da nossa sociedade e a maioria das tomadas de decisões das pessoas me parecem absurdas. No ano passado fui identificada com super dotação acadêmica, naturalista, linguística e intrapessoal. Estudar e entender como meu cérebro funciona fizeram eu mudar completamente minha percepção sobre quem sou no mundo. Hoje tenho clareza das minhas limitações, bem como das potencialidades, o que faz com que eu consiga organizar minha vida de maneira a minimizar sofrimentos e ter qualidade de vida.

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Altas Conversas Altas Habilidades: S2 E2 Aspectos Socioemocionais e o Impacto na Escola

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Entrevista: Tassiana Livi

Tassiana Livi

Tassiana Livi

Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.

Tassiana Livi: Foi um processo de descoberta mas a partir da descoberta do meu filho. Me via nele e fui atrás de identificar a minha. Depois da confirmação houve um tempo de pensar: “hummm então agora as coisas finalmente fazem sentido.”

SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?

Tassiana: Sou multipotencial. Áreas de liderança, artística, construtiva, criativa, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal e naturalística.

SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?

Tassiana: Foi tranquilo. Acho que ainda carecemos de profissionais habilitados para a identificação completa mas ela é de suma importância para um desenvolvimento psicológico saudável. E quanto mais cedo for feita esta identificação melhor é para o indivíduo.

SM: O que é ser uma esposa superdotada?

Tassiana: É como estar em todos os lugares ao mesmo tempo. É quase ser onisciente hehehe e nunca parar de ler e estudar.

SM: Quais os desafios e as delícias na identificação e acompanhamento da comunidade superdotada?

Tassiana: Os benefícios estão no campo pessoal. Dar sentido a si mesmo e compreender que nada foi por acaso. Os desafios são educar nossos filhos principalmente se eles também são neurodivergentes.

SM: Como o ambiente escolar produziu sofrimento no seu filho sd?

Tassiana: Pela falta de conhecimento. Um aluno SD tem uma demanda diferente, reações diferentes e expectativas diferentes. A intensidade de cada um é vista no ambiente escolar como desregramento de comportamento. Completamente desnecessário quando se sabe que esta criança é SD.

SM: Como você considera o mercado de trabalho para pessoas com AH/SD?

Tassiana: Muito promissor! Já vemos algumas iniciativas bem concretas nessa área. Para o superdotado é tranquilo.

SM: O que é ser uma mãe superdotada com um filho superdotado?

Tassiana: Esta é a parte mais fácil. Fácil porque vc entende certos funcionamentos, e quando vc não tem uma expectativa irreal sobre a educação do teu filho fica mais leve. Acaba criando um vínculo profundo e forte com teu filho. Uma espécie de: “ok, eu também agiria assim e está tudo bem”.

SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.

Tassiana: Não.

SM: Algum lema motivacional?

Tassiana: Meu filho disse sentir orgulho de mim porque descobri que “com pedras construí meu castelo” e que “pontapé joga a gente para frente”. E é exatamente isso que ensino para ele. A vida não bate com carinho, podemos ter um tempo de luto, mas depois sacudir a poeira e levantar a cabeça porque eu até posso cair mas quando eu me levantar… corre.

SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.

Tassiana: Sim eu mesma faço com meu filho. Sou neuropsicopedagoga. Funciona muito bem porque somos muito parecidos. Suplemento aquilo que falta na escola com atividades do interesse dele a fim de promover a capacidade criativa, construtiva e cognitiva dele.

SM: Algum recado pra galera?

Tassiana: Não deixar a identificação para a adultez. Crianças SDs sofrem muito com as adversidades da vida porque encaram de maneira mais intensa os problemas e acabam levando para a vida adulta crises emocionais e situações psicológicas já cristalizadas que poderiam ter sido facilmente evitadas.

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Sobre-excitabilidades: Estratégias para Lidar com as Sobre-excitabilidades Parte 2

Referência da Live

MARGIS, Regina; PICON, Patrícia; COSNER, Annelise F.; SILVEIRA, Ricardo O. Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Revista Psiquiátrica, n.25, (suplemento 1), 2003, pp. 65-74.

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Relato Pessoal: Daniele Pendeza

Daniele Pendeza

Daniele Pendeza

Meu nome é Daniele Pendeza, sou gaúcha e no momento da escrita desse texto, tenho 33 anos. Fui identificada como pessoa com Altas Habilidades/Superdotação aos 27 anos, mas essa história começa anos antes.

Minhas lembranças mais antigas me levam aos meus 4 anos, quando eu falava para a minha avó materna que não precisava aprender a fazer as coisas de casa, pois seria doutora e teria uma empregada para fazer tudo para mim (ela sabiamente me disse que eu precisaria aprender, para poder ensinar para a tal empregada como as coisas deveriam ser feitas ou para saber avaliar se o trabalho era adequado). Nessa época já era alfabetizada e realizava leitura fluente, interpretando o significado dos textos. Como eu sempre pedia que histórias fossem lidas antes de eu dormir, e o que era lido para mim nunca era o suficiente, pedi para aprender a ler, então eu poderia ler à vontade aquilo que eu desejava. Minha mãe, mesmo sem ter completado a educação formal, me ensinou o alfabeto e como as sílabas se juntavam, e logo eu estava lendo.

Nesse momento havia acabado de ingressar na Educação Infantil, onde as professoras ensinavam o alfabeto para a turma, e eu acabava por demonstrar péssimo comportamento, bagunçando na sala e brigando com colegas. Como já sabia aqueles conteúdos, terminava as atividades muito rápido e ficava ociosa, sem receber materiais extra para realizar, sem nenhuma adaptação curricular. Houve reunião com a minha mãe, pois desconfiavam que ela me obrigava a estudar em casa, mas todo o processo de alfabetização precoce e a minha curiosidade em aprender coisas novas partiam de mim mesma. Lembro de apenas uma professora que levava atividades extra, alguns desenhos para que eu pintasse e permanecesse ocupada enquanto os colegas terminavam a atividade principal. Mas isso partiu dela, de seu estudo e boa vontade.

Fui oradora na formatura da Educação Infantil e soube que nesse momento houve nova reunião com minha família, sobre a possibilidade de eu ser avançada de série, indo para o segundo ano do fundamental, ao invés de iniciar no primeiro, tendo em vista que eu já havia dominado os conteúdos de forma autodidata. Uma das pessoas que deveriam autorizar esse processo foi contra, alegando que eu não teria maturidade para um segundo ano. Não foi feita nenhuma avaliação ou acompanhamento com profissional especializado (a). A decisão foi tida a partir de achismo e falta de competência de pessoas que deveriam saber sobre inclusão escolar.

Isso ocasionou um início difícil no Ensino Fundamental. Tive dificuldade de me enturmar com os colegas, especialmente com as meninas. Eu fiz amizade com alunos e alunas dos anos mais avançados (2 e 4 anos na minha frente), tendo mais em comum com eles do que com os meus pares. Os problemas emocionais aconteceram mesmo eu tendo que cumprir o currículo usual, pois era exaustivo ir para a escola, havia bullying e muitas brigas, inclusive com agressões físicas, mas eu conseguia me defender e revidava.

Lembro que saí em defesa de uma colega que possuía dificuldade de aprendizagem. Nossas mães se conheciam e eventualmente brincávamos fora da escola, então me aproximei dela também no ambiente escolar. Um dia fui comprar lanche e ela ficou me esperando perto de um viveiro com animais que havia no pátio da escola. Um grupo de outras meninas a estava estrangulando em um canto escondido. Bati em três meninas (não lembro detalhes desse momento) e fui parar na direção para assinar o “caderno” da escola, mesmo eu tendo ido em socorro de quem realmente estava sofrendo, também saí como culpada. Depois de um tempo essa colega saiu da escola e nunca mais tive contato com ela. Esse triste momento é minha lembrança mais antiga de eu lutar por justiça social, de não discriminar alguém pelo simples fato de ser diferente. Conforme fui crescendo, fui ficando “respondona” e “inadequada” nas minhas colocações, enfrentando as pessoas e tendo que lidar com muitas surras e castigos devido ao meu comportamento.

Ainda na escola, comecei a buscar por atividades extra que sanassem minha curiosidade, pois as aulas nunca eram suficientes, tudo parecia fácil demais, superficial demais (e exceto nas aulas de matemática, eu tinha muita facilidade e frequentemente gabaritava todos os trabalhos e provas). Não lembro em qual série exatamente, mas tivemos uma ótima professora de educação física que criou laboratórios de esportes, onde podíamos ter contato mais aprofundado com futebol, handball, vôlei e ginástica olímpica. Fiz todos. Mais ou menos na mesma época tivemos aulas de dança, também me inscrevi (a escola era filantrópica, e por ser de baixa renda eu tinha bolsa, o que me proporcionou ter tantas experiências legais mesmo sem ter poder aquisitivo).

Infelizmente, professores (as) que se destacam crescem e vão para ambientes onde suas habilidades são melhor acolhidas, então perdi a professora de esportes e o professor de dança. Mas sempre surgiam pessoas legais na minha vivência, como a professora de artes, que também criou laboratórios de desenho e pintura, e lá fui eu novamente.

A vida escolar não se resumia apenas à escola, pois eu tinha amigos na rua onde eu morava, primos mais velhos e a tarde toda mais os finais de semana para ir atrás dos meus interesses. Apesar de ter muitos amigos e amigas, eu sempre gostei mais de brincar sozinha e de me perder no mundo da minha imaginação. Queria ser cientista, assistia a programas como X-tudo e imitava experiências em casa (às vezes com a ajuda dos meus pais, outras vezes sozinha e escondida, foi assim que eu fiz uma fogueira gigante que gerou pânico na rua, ou quando eu tentei fazer remédios com plantas e acabei com uma grande dor de barriga). Eu morava em uma casa com pátio e criei uma bancada de cientista para fazer meus experimentos, do lado de fora. Buscava pedrinhas, plantas (algumas eu plantava, cheguei a ter um jardim todo cuidado por mim), insetos e tentava entender mais sobre eles. Eventualmente ganhava dinheiro e comprava revistas e gibis na revistaria perto de casa, escrevia poemas e histórias.

Meu amor pelos livros começou quando eu descobri as bibliotecas de duas tias, que são professoras de letras, e deixaram eu ter livre acesso aos materiais. Todo final de semana eu escolhia algum livro infanto-juvenil e levava para casa. Aos poucos um livro não era mais suficiente e eu levava dois, três…. Até hoje rimos de uma história engraçada: uma de minhas tias me emprestou o Caçador de Pipas, o livro mais extenso que eu havia pego até então. Eu disse que, como o livro era muito grande, eu demoraria para devolver, e ela disse que não tinha problema. Três dias depois eu devolvia o livro e queria debater sobre a história.

Nos dois últimos anos do ensino fundamental (sétima e oitava séries) parti para aulas de violão, canto e uma exploração da biblioteca da escola (a da família já não tinha tantos atrativos). Havia aulas de redação, onde podíamos retirar um livro por mês e devolver junto com uma resenha valendo nota. Eu queria ler Shakespeare (não seria a primeira vez), mas a professora proibiu, pois, segundo ela, era muito avançado para a minha turma. Peguei Hamlet escondido em baixo de algum livro da coleção Vagalume e ao final do mês entreguei as duas resenhas. A professora pediu desculpas e a partir daquele momento deixou eu escolher o que eu queria, inclusive fazendo uma espécie de curadoria para me direcionar a livros que poderiam me interessar.

E os colegas? Nessa época eu era mais “popular”, pois todo mundo queria fazer trabalhos comigo ou colar nas provas. Alguns anos depois, quando eu terminava o ensino médio, uma ex-colega do Fundamental me achou nas redes sociais e pediu desculpas por ter se aproveitado de mim na escola, contou que quando “me perdeu”, não deu mais conta dos conteúdos e começou a repetir de ano, tendo muitas frustrações.

Apesar disso, eu estava cada vez mais focada nas coisas que eu gostava e me importando cada vez menos com quem não me servia (isso não significa que eu não sofria, mas que eu era capaz de ter minhas alegrias). Na oitava série comecei a me afastar ainda mais, pois no turno inverso das aulas eu fazia cursinho para entrar em uma escola técnica de Ensino Médio que funcionava dentro de uma universidade pública, e que possuía processo seletivo. Basicamente, só estudava. Muitas pessoas diziam que eu não passaria na prova, porque “fulano e ciclano fizeram a prova e não conseguiram”. Hoje vejo como esses comentários eram fruto de machismo e apesar das minhas habilidades, sempre tinha alguém disposto a me diminuir, ou dizer que eu não fazia mais que a minha obrigação em ir bem na escola e estudar.

Foram apenas 60 vagas e eu era uma delas! Lá, pude ter acesso a uma biblioteca infinitamente maior (cheguei a ler 75 livros por ano nessa época – eu tinha um caderninho onde anotava tudo o que lia, hoje já abandonei essa prática e não conto mais), ter liberdade de horários (não se rodava por falta, inclusive eu matava aulas que eu ia bem para estudar aquelas que eu tinha dificuldade – e, sim, eu também tinha dificuldades, especialmente nas exatas) e ter contato com colegas tão nerds quanto eu. Não existiam mais brigas e problemas, o ambiente era colaborativo e quase toda a escola se conhecia (eram 6 turmas de ensino médio e mais os cursos técnicos). Para não dizer que tudo foram flores, nesse período eu comecei a ter problemas para dormir. Cheguei a ficar 3 dias acordada, sempre querendo estudar e fazer mais.

No segundo ano havia outra seleção, agora para o curso técnico. Cheguei a me inscrever para a prova de eletrônica, mas durante a prova eu pensei: eu quero estudar música, não gosto de ficar sofrendo com matemática e física! Abandonei a prova antes de terminar de responder todas as questões (se tivesse feito todas, talvez tivesse passado).

Assim, passei a estudar música todos os dias, para prestar o teste de aptidão para o Curso de Música. Meus colegas do Ensino Médio faziam piada, pois eu havia feito a maior média do PEIES (processo seletivo seriado que existia na época) da história do curso de música.

A faculdade foi um momento de emoções mistas, variando entre muitas alegrias e muitas tristezas. Como a média de idade dos alunos e alunas era mais alta, existia uma seriedade maior com os estudos, mas isso não queria dizer que não havia competição, “puxar tapete”, intrigas e muita falsidade (inclusive por parte de professores/as). Eu seguia me refugiando nas bibliotecas (onde consegui um estágio remunerado, meu primeiro emprego) e fiz alguns bons amigos e amigas, com os quais tenho contato até hoje. Foi na faculdade que eu repeti uma cadeira pela primeira vez, e uma segunda e uma terceira. Esses eventos deixaram marcas muito fortes na minha memória. Meu perfeccionismo me fazia perceber que a faculdade havia sido um fracasso, que eu não era capaz e não possuía habilidade suficientes para cursar música. Após a formatura, ao ver meu histórico de notas, vi que havia sido um ótimo curso (considerando as notas e o que aprendi durante essa jornada). As atividades extracurriculares eu fiz mais que o dobro de horas exigidas, sempre enchendo minha agenda com coisas que me dava prazer e não apenas com obrigações. Dentre elas eu participei de corais, fiz recitais e apresentações em hospitais, lares de idosos e casas de acolhimento para crianças com câncer (ideias que eu tinha e organizava com os grupos que eu participava).

Durante o bacharelado comecei a dar aula em escolas de música e tive contato com alguns alunos com deficiência. Resolvi que também cursaria licenciatura em música, pois havia me interessado pelo ensino desse público em especial. Já havia feito várias disciplinas de forma complementar, então faltava pouco para o segundo diploma. Nessa mesma época comecei a ler sobre a música ser utilizada em tratamentos de saúde, como música em medicina e Musicoterapia, então buscava nas bibliotecas e na internet sobre esses assuntos, tentando entender mais e mais.

Ainda durante a segunda faculdade fiz minha primeira especialização, em Psicopedagogia, onde aprendi o que era currículo adaptado e adentrei no mundo da ciência e das publicações científicas. Logo emendei em outra especialização, de ensino estruturado para pessoas autistas. Nesse período passei a dar aulas de música apenas para pessoas com deficiência em uma clínica multidisciplinar. Esse novo espaço me motivou a seguir carreira acadêmica e me abriu portas para uma bolsa de iniciação científica.

Em 2013 houve o incêndio da Boate Kiss, onde perdi pessoas que eu amava. Depois desse episódio eu foquei ainda mais em estudar e trabalhar, como forma para tentar esquecer o que me fazia sofrer e tentar afogar o transtorno de estresse pós-traumático que virou depressão. Nesse período eu comecei a ser paciente de psicoterapia. Ao longo dos anos fui mudando de profissionais de acordo com minhas necessidades, mas nunca mais fiquei muito tempo sem fazer, como forma de me conhecer melhor, de evoluir e de buscar a felicidade.

Quando ingressei no Mestrado em Educação (na linha de pesquisa de Educação Especial), tive a oportunidade de fazer outra especialização, agora em Musicoterapia (o terceiro curso dentro da área da Música), em outra cidade, sendo que eu teria que viajar uma vez por mês, por 300km, para participar das aulas. Não tive escolha, fiz os dois cursos ao mesmo tempo, e além disso trabalhava para poder sustentar as viagens e o curso de Musicoterapia, que era em instituição privada. Foram anos cansativos, mas de intenso aprendizado!

Durante o Mestrado eu tive minha identificação. Uma colega com quem eu trabalhava desconfiou que eu possuía sinais de AH/SD e me convidou para participar de um processo de identificação na universidade. Eu aceitei, mas mais pelo prazer de fazer testes e participar de uma pesquisa. Ao final recebi o parecer, informando que eu apresento o tipo Intelectual e Acadêmico mesclados, envolvendo as áreas naturalista, linguística, musical e intrapessoal.

Após a identificação eu frequentei um grupo de acompanhamento com outra pessoa identificada, mas eu não gostava e não aceitava o resultado que me fora dado. Estava sedimentado em mim o entendimento de que eu não fazia mais que a minha obrigação, de que as outras pessoas que eram burras ou preguiçosas, que era só querer para poder fazer algo bem feito. Eu estava com 27 anos e apenas 5 anos depois, quando havia me mudado para outra cidade, alavancado minha carreira como Musicoterapeuta e estava trabalhando integralmente com pessoas público alvo da Educação Especial (incluindo crianças com AH/SD) que eu resolvi revisitar esse assunto.

Descobri uma psicóloga na internet, que fazia o processo de avaliação e pedi para refazê-lo. Os resultados foram os mesmos, com acréscimo do conhecimento que meu QI era de 126. Esse momento foi muito intenso e trabalhamos as questões que me impediam de aceitar quem eu realmente era, como eu realmente era.

Também busquei avaliação de Terapeuta Ocupacional, pois me via muito nas crianças com quem eu trabalhava, quando o assunto era o sensorial. Para minha surpresa, também recebi o diagnóstico de que tenho Transtorno do Processamento Sensorial, que somado à sobre-excitabilidade das AH/SD vinham me causando muito estresse, desconforto e raiva.

Daniele Pendeza

Daniele Pendeza

Atualmente trabalho com o que amo, compreendo melhor quem eu sou de verdade e sigo buscando me aperfeiçoar, sem me comparar ou tentar competir com ninguém. Quero ser melhor por mim mesma, quero buscar o que me completa. Por isso sigo minha carreira acadêmica, agora em busca do título de doutora que eu queria desde os 4 anos, novamente estou reestruturando meu trabalho e organizando outra mudança. O que posso concluir até aqui é que cada fase tem sido melhor que a anterior, que a busca por aprender não tem fim e que eu preciso comemorar cada nova vitória ou objetivo alcançado, pra ser feliz agora.

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